“Vá anda, tens aqui um cãozinho para te animar”. Eu acelerei o passo e no fim da subida lá estava o farrusco que se deita de barriga para cima assim que me aproximo dele para lhe dar festas. O amigo que me  acompanhava sabia (por já me conhecer há muitos anos), que se há coisa que me poderia fazer esquecer o cansaço nas pernas, o calor e a fome, é um cão. Até porque o fim do trilho ainda estava, nesse momento da caminhada, longe, ao contrário das previsões do google maps que nos haviam dado falsas expectativas.

A ideia era fazer um trilho tranquilo, apenas 15km sem grandes subidas, segundo nos haviam dito. Por isso, demo-nos ao luxo de aproveitar (e desperdiçar muito tempo na primeira metade do trilho) parando algumas vezes, tirando fotos, mergulhando nas cascatas geladas que íamos encontrando e, no meu caso, abraçando imensas árvores pelas quais me apaixonei pelo caminho. E eu, apesar de já não o ser, cometi o erro de principiante: subestimei o caminho e achei que conseguiria fazer o trilho em poucas horas e que não valeria a pena levar comida.

Mas a meio do caminho, quando saímos da zona dos rios, esperava-nos um deserto sempre a subir, abrindo uma segunda etapa do bem diferente da primeira, só com subidas longas, intercaladas de algumas descidas de fazer chorar os joelhos. Depois dessa primeira subida interminável e em terreno árido, a fome veio em força e as pernas começaram a queixar-se. E ainda faltavam mais 3 horas de caminhada.

O meu amigo ainda tentou oferecer-me a comida dele, mas ele não é vegetariano. “Ah, comes a minha sandes. Eu tiro o fiambre e o queijo”. “-Não, guarda a sandes, se não a comes, encontramos sempre pelo caminho um cão que a coma”.

Nessa parte final, a sentir-me literalmente a usar as reservas de energia de backup, comecei a pensar no erro que tinhamos cometido ao ter perdido tanto tempo no início do caminho. Deu para desfrutar da parte mais bonita do trilho, mas fez com que o final acabasse por ser mais duro do que tinhamos previsto.

Quantas vezes isto não acontece na vida e na prática de yoga?

Vejo isso a acontecer muito naquelas pessoas que ‘vão para o yoga’ porque querem relaxar, e pelas mil e uma maravilhas que, hoje em dia, se prometem a propósito da prática de yoga. Querem os benefícios rapidamente, mas quando se apercebem de que afinal o processo implica muito mais do que uma musica relaxante, palavras bonitas e roupa fitness xpto, recuam. Quando percebem que, afinal, o verdadeiro processo de yoga é uma transformação completa daquele que não se limita a ficar pela rama das posturas e que o que está em causa na prática de yoga é a disciplina dos sentidos, um movimento de consciência, de treino de nós mesmos e não apenas do corpo no sentido de permanecermos com a experiência em vez de fugirmos dela. Porque quando escolhemos mantermo-nos na prática apesar dos altos e baixos de energia e nas nossas vidas, estamos activamente a escolher focar a nossa atenção e consciência naquela parte de nós que não muda. Como diz Donna Fahri, quando nos sentimos tristes, praticamos, quando estamos felizes, praticamos, quando estamos cansados praticamos, quando estamos enrolados nas teias do luto, praticamos; não praticamos para nos livrarmos de sentimentos ou para suprimi-los. Praticamos para que tudo possa fluir em nós.

Tal como no trilho de ontem, quando a mente cedia ao cansaço das pernas e à fome, o corpo acelerava o passo e tentava correr para terminar aqueles quilómetros mais depressa, mas a prática de yoga surgia e eu abrandava o passo, voltando ao ritmo certo sem querer abreviar ou fugir daquela lição que aquele terreno árido me estava a dar.  “Examinai-vos a vós mesmos; se permaneceis na fé, provai-vos a vós mesmos”, nas palavras de Paulo de Tarso.

O domínio de um ásana (postura de yoga) é a completude de tarefa atrás de tarefa, depois vem a permanência, a superação do desafio, e a observação alinhada da mente e corpo. Assim, também no hiking ou caminhada em trilhos.

Iyengar dizia que independentemente do motivo por que se começa a praticar yoga, mesmo nos ásanas mais simples experimentamos 3 níveis de busca ou inquirição: “a inquirição externa que traz firmeza ao corpo, a inquirição interna que traz consistência e quietude à inteligência, e a inquirição íntima que traz benevolência ao espírito”.

Se cultivarmos bem estas etapas, aprendemos a nunca subestimar nenhum início de caminho na nossa vida e não cairmos na ilusão da expectativa de um fim rápido e indolor. Num trilho ou no tapete, a pratica é de pequenas acções e movimentos, negociações com o nosso «eu» e com o corpo, contestações dentro de nós (corpo-mente-prática); são um processo dialéctico que levam a uma fusão com a condição primária da nossa existência.