Por esta altura, já todos ouvimos dizer que a prática de yoga desenvolve a disciplina e implica seguir um método sistemático de aprendizagem (anushasanam). Toda a prática está mais relacionada com a qualidade ou com a convicção na prática pessoal do que com a quantidade dessa mesma prática. Isto é descrito nos sutras 1.21.e 1.22. Mas não é nestes que me vou focar hoje.

No sutra 1:32, o sábio Vyasa nomeia 5 estados da mente e refere o estado da mente direcionado (ekagra) (sutra 1.32) como o estado desejado para a prática do Yoga. Estes cinco estados da mente variam entre uma mente muito perturbada até uma mente completamente controlada.

Ora, a mente pode ser o nosso melhor aliado e amigo num percurso de auto-conhecimento, ou tornar-se um inimigo e grande obstáculo. Não é por acaso que, na simbologia hindu de Ganesha, o elefante cavalga um rato. O rato simboliza a mente humana que está sempre a correr de um lado para o outro, desfocada, iludida em fantasias, expectativas, desejos, experiências ou pensamentos que, maioritariamente, nos aprisionam. Normalmente, a mente, como o rato, está sempre inquieta, nervosa, agitada e receosa. Além disso, tal como rato procura sempre o escuro, também a mente está sempre a tentar esconder-se e a fugir da luz que lhe pode trazer algum conhecimento de si mesma e, logo, controlo.

No sutra 1:36 – aquele que queria focar hoje –diz assim: “Ou a concentração num estado interno indolor de lucidez e luminosidade também traz estabilidade e tranquilidade”. Parece simples, mas a verdade é que ninguém chega a essa estabilidade, a essa lucidez e a essa luminosidade sem enfrentar a escuridão, a dor, os conflitos que existem dentro de si.

Na verdade, é possível habituarmo-nos tanto a nos identificarmos com a dor do mundo, bem como com o turbilhão de pensamentos obscuros que temos, de culpa, de vergonha, de memórias que preferíamos esconder, de frustrações, de desejos, de arrependimentos, de medos, de preocupações, que a mente luminosa e livre de sofrimento se torna uma quimera ou um oásis sempre distante e inatingivel.  A boa notícia? Aqui e agora, deves viajar para lá.

O Yoga ensina-nos como ir para lá, ainda que cada um já saiba, dentro de si, o caminho. E está tudo bem quando descobrimos que chegar lá não é tão fácil como parece (afinal posso até conseguir fazer as séries todas de ashtanga e não chegar lá!!!) E está tudo bem se encontrar inúmeras razões legítimas e ilegítimas para me apegar ao sofrimento, à mente agitada e não admitir a lucidez e a luminosidade.

O que fazer, então?

É essencial criar um cofre forte, um lugar dentro do nosso corpo e mente, onde a tristeza e escuridão não entram. Encontra esse espaço, Sukha, um cantinho de liberdade onde o amor e luz não são tocados por nenhum tipo de dor, de pensamento ou frustração. É nesse cantinho que guardamos a fé em nós mesmos, a coragem, a determinação de sermos as pessoas luminosas que já somos.

“Ah, mas faço isto há anos e não saio do mesmo. Não evoluo numa postura. Estou encalhado”

Se trabalhamos diligentemente numa postura em que estamos ‘encalhados(as)’ (ou grupo de posturas), se vou ao tapete consistentemente e não por temporadas, vamos aprender muito mais e ver muito mais do que nas posturas que fazemos com facilidade. Garanto-vos. E esse é um dos motivos por que a prática do ashtanga é tão bonita. És capaz de dizer uma coisa que tenhas aprendido na tua vida quando estavas plenamente feliz? Muito provavelmente, nem aprendeste o que era a felicidade. “Ah, mas eu não vejo nada. Só fico frustrada e desmotivada”. Certo, quem está a mostrar isso? A prática ou a tua mente? “Observa o que surge a cada respiração, em cada postura”, ensina sempre o Peter Sanson.

O Peter também diz: “Não há atalhos”. Ou seja, não há como evitar, tornear, saltar a postura que nos desafia. Ela está ali na sequência, sempre naquele sítio e não podes fugir dela. Não deves. Ou antes, podes até escolher não a fazer e saltar, mas acabaste de perder uma oportunidade imensa. Há muitos factores a influenciar a forma como fazemos cada ásana. O nosso trabalho começa exactamente no ponto em que estamos em cada postura. Firmeza, constância, estabilidade. Observação.

Encontrar a progressão

Temos que ser realistas quanto ao ponto em que estamos nessa progressão, mas mais importante ainda é perceber o que é essa progressão. Porque se progresso ou evolução na prática de yoga fosse pôr um pé atrás da cabeça, enlaçar as mãos num marichyasana ou num supta kurmasana, fazer um pino, etc., então todos os artistas do cirque du solleil ou até uma bailarina ou ginasta eram yogis. E não são. É neste ponto que um professor se torna importante. Tudo isto é muito subtil e se estivermos obcecados com a ideia de evolução só ao nível do ásana, vamos desistir de praticar. É aí que muita gente deixa o yoga. No outro dia, vi uma miúda a fazer uma espécie de dropback. Tendo feito ballet, tinha flexibilidade, mas saltou uma série de passos que retiram o valor que a postura em si tem, os aspectos subtis que cada ásana traz. A mente até nos pode iludir a dizer que é melhor deixarmo-nos cair para trás não importa como, do que fazer toda a preparação, do que usar, por exemplo, uma parede como apoio, não fica tão bonito, não incha tanto o ego…Ir passo a passo, sem pressa, tem todo um significado em termos energéticos, biomecânicos, anatómicos, de consciência e inteligência corporais.

O que é que a postura está a acordar em ti? O que é que a prática está a acordar em ti?

Além dos opostos

Todos já passámos pela experiência durante ou após a prática, e já nos apercebemos que por vezes saímos da prática frustrados e zangados ou com um grande bem-estar, mas que é assustadoramente fácil deslizar-se de um estado de satisfação para estados de tristeza, raiva ou sofrimento, conforme mergulhamos mecanicamente no vyavahāra, no nosso dia a dia de responsabilidades. Como diz Pedro Kupfer, “a estabilidade no Yoga é o resultado de um processo gradual, no qual a pessoa torna-se ética, emocional, mental e cognitivamente apta para compreender quem ela é realmente”.

O que o Yoga nos ensina e demonstra é que esse processo de estabilidade não é um output que surge de forma automática, mas antes precisamos entender que a busca permanente por mais prazer ou alegria através de experiências mais ou menos diferentes não é o que nos vai dar paz, conhecimento ou auto-aceitação. Na verdade, mais tarde ou mais cedo, depois do prazer vem invariavelmente a ausência dele. E assim vamos vivendo….

A linguagem do movimento é expressa no sentimento. E só podemos integrar o que aprendemos se nos permitirmos sentirmo-nos mudados pelo movimento e não impor as nossas expectativas ou fugas à prática. Como referia a Vera Simões, a prática é sempre um espelho de nós mesmos.