Compreensão e repetição são as soluções definitivas para qualquer medo

 

“Filipa. Sirsasana no meio da sala”. Até hoje recordo o terror com que ouvi esta frase da minha professora de Iyengar yoga, 1 ano depois de andar a tentar subir as pernas para a parede e a fazer a postura apenas com esse suporte.

Já não me lembro se caí ou não dessa primeira vez em que me afastei da parede. Mas lembro-me de duas coisas muito claramente: 1) as reações mentais nos segundos em que caminhei da parede para o meio da sala (e já lá vão 10 anos); 2) de que todo esse processo foi preciso para que hoje eu consiga subir, estar e ensinar essa postura com toda a segurança e compreensão sobre a interacção mente-corpo, mente-ásana.

O medo é um produto da mente que é manifesto e revelado no ásana. Em muitas posturas, mas no sirsasana e em invertidas sobre a cabeça em particular. É uma postura que toca em muitas barreiras em nós. É o início de uma viagem.

Já escrevi algumas vezes sobre o medo na prática de yoga e na forma como podemos lidar com ele. Uma coisa comum em todos os medos é que ele só surge quando a nossa compreensão da relação que nos suscita medo não é completa. Tenho medo de uma postura de yoga quando ainda não compreendo a minha relação com ela, tenho medo do amor quando ainda não o compreendo, tenho medo de uma relação inesperada quando ainda não a compreendo. Essa relação não é só entre nós e a natureza , entre nós e aquilo que possuímos, entre nós e ideias. Se essa relação não é compreendida inteiramente, há medo. Porque viver é relação.

Ser é estar em relação. Na prática, não fazemos posturas, somos posturas. Fundimo-nos com a postura. O medo só existe em relação a algo, não é uma coisa abstracta.

Como é que nos libertamos do medo?

Como em qualquer relação, aquilo que é conquistado tem de voltar a sê-lo várias vezes. Nenhum problema é vencido de uma só vez; ele pode ser compreendido mas não conquistado. Conquistar só leva a mais resistência, mais confusão, agitação e a mais medo. Resistir, dominar, guerrear com uma postura (no tapete) ou com um problema (na vida) só vai criar mais conflito. Se pudermos explorar o medo, entrar nele passo a passo, explorar o seu conteúdo, então esse medo vai passar de vez.

Na vida, acima de tudo, temos medo de não virmos a ser aquilo que projectámos ou sonhámos. Quando há medo de não virmos a ser, do desconhecido (como uma invertida), da morte, será que podemos vencer esse medo pela determinação? Esta fará parte do processo, sem dúvida. Mas é preciso perceber que a repressão, a sublimação ou substituição só vão gerar mais resistência. O medo não se vence pela resistência ou defesa, nem nos libertamos dele através de uma busca por uma resposta ou explicação verbal.

De que é que temos medo? Temos realmente medo da invertida ou das ideias que associamos a essa postura? Temos medo do facto ou da ideia? Temos medo de uma coisa tal como ela é ou daquilo que pensamos que essa coisa é? O facto é uma coisa, a ideia acerca do facto é outra. Temos de perceber se temos medo da palavra, do facto ou da ideia.

Só temos medo quando não existe comunhão com aquilo que receamos. Se tenho medo da solidão, p.ex., é porque não estive nunca em completa comunhão com essa solidão. No momento em que nos abrimos à compreensão do que é a solidão, então, podemos compreender o que ela é.

É a minha opinião, a minha ideia, a minha experiência, o meu conhecimento acerca do facto que gera o medo. Portanto, é a mente que cria o medo, sendo a mente o processo de pensar. Pensamento é energia e verbalização. Ficamos libertos do medo apenas quando há auto-conhecimento, quando nos libertamos desse processo de atribuição de nomes, de projecção de símbolos, de imagens. O autoconhecimento é o início da sabedoria e de uma vida sem medo.

Veja aqui um tutorial escrito sobre como fazer esta postura (depois de já se ter treinado muito na parede):