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O trabalho começa no tapete e prolonga-se para além dele. Do denso ao subtil. Do impossível ao possível. 

O corpo é instrumento
De ser feliz, não de pesar.
É um desdizer que nos diz
Em cada hora, momento
É instrumento de ser feliz
Não de doer, nem magoar.

É barca de ser e singrar
Com alento, não de choro.
Dá prazer, e não lamento
Para querer, sem crer estar;
Pra combater o tormento
Sem laxismo nem decoro,
O corpo é instrumento
De dar prazer, não dá penar.

O corpo é instrumento
De ser feliz, não de pesar,
Seja rápido ou lento,
O corpo é instrumento
Não de doer, mas de amar.

O corpo quer só bom trato
E atenção, pra conseguir
Uma plena realização.
Não é pedra no sapato
Ou ingrato por condição
De coxeio, mas de sorrir.

Meio de gozo sem perversão
Nem ditado, que premeia,
Ou círculo quadrado,
Mas diz sim, se sim; não, se não
Em todo e qualquer lado
Se apraz, não esperneia
Meio de gozo sem perversão
Nem ditado que permeia,
O corpo é instrumento
De ser feliz, não de pesar,
Seja rápido ou lento,
O corpo é instrumento
Não de doer, mas de amar.

 

As estrofes da Gītā que mencionam os 20 valores são:

amānitvam adambhitvam ahiṃsā kṣāntir ārjavam |
ācāryopāsanaṃ śaucaṃ sthairyam ātmavinigrahaḥ || 13.8 ||

Ausência de vaidade, ausência de pretensão, não-violência,
acomodação, retidão, dedicação ao mestre, pureza, persistência, autocontrole;

indriyārtheṣu vairāgyam anahaṃkāra eva ca |
janmamṛtyujaravyādhiduḥkhadośānudarśanam || 13.9 ||

desapego em relação aos objetos dos sentidos,
ausência de egoísmo e compreensão das limitações
do nascimento, a morte, a velhice, a doença e a dor;

asaktir anabhiṣvaṅgaḥ putradāragṛhādiṣu |
nityaṃ ca samacittatvam iṣṭāniṣṭopapattiṣu || 13.10 ||

ausência de apego à ideia de posse, ausência de apego
em relação aos filhos, o cônjuge, o lar e outros,
equanimidade constante independente da realização
do desejado ou do não desejado;

mayi cānanyayogena bhaktir avyabhicāriṇī |
viviktadeśasevitvam aratir janasaṁsadi || 13.11 ||

devoção inquebrantável a mim, [sabendo que] não há
outro [além de Īśvara], apreço por um lugar tranquilo,
ausência da necessidade da companhia de pessoas;

adhyātmajñānanityatvaṃ tattvajñānārthadarśanam |
etaj jñānam iti proktam ajñānaṃ yad atonyathā || 13.12 ||

busca constante do conhecimento de Ātma, apreciação
do sentido do conhecimento da verdade, isso é chamado
jñāna, conhecimento. O contrário a isto é ajñāna, ignorância.

Agora, em lista:

1. Amanitvam, ausência de vaidade, arrogância ou necessidade de elogio.

2. Adambhitvam, ausência de pretensão.

3. Ahiṁsā, não-violência.

4. Kṣānti, pacífica adaptabilidade.

5. Arjavam, retidão.

6. Acāryopāsanam, dedicação ao professor.

7. Śauchan, purificação.

8. Sthairyam, firmeza de propósito.

9. Ātma-vinigraha, comando sobre o pensamento.

10. Indriyartheśu vairāgyam, desapego em relação aos objetos dos sentidos.

11. Anahaṅkāra, ausência de identificação com as coisas do ego.

12. Janmamṛtyujaravyādhiduḥkhadośānudarśanam, reflexão sobre as limitações do nascimento, a morte, a velhice, a doença e a dor.

13. Aśakti, ausência de apego à ideia de posse.

14. Anabiśvaṅgaḥ putradaragṛhādiśu, equanimidade afetiva.

15. Nityam samacittatvam iśtaniṣṭopapattiṣu, equanimidade constante.

16. Bhaktir avyabhicāriṇī, devoção inabalável.

17. Viviktadeśa sevitvam, apreço por um lugar tranquilo.

18. Aratiḥ janasamsadi, apreço pela solitude.

19. Tattvajñānārthadarśanam, foco e clareza na verdade.

20. Adhyātmajñāna nityatvaṁ, disposição contínua para o autoconhecimento.

Uma maneira inteligente e simples de começar o dia conscientemente. Sintonize com as sensações do seu corpo e respiração, para que possa permanecer conectado durante o resto do dia. Pode usar um bolster, um cobertor ou um bloco para se sentar de forma mais confortável. Só não vale fazer deitado na cama à espera do snooze 🙂

E mais uma prática rápida também.

Uma sequência acessível a todos.

 

 

Há sempre pessoas e ‘casos’ que nos marcam neste caminho de partilhar yoga com outros.  X é um desses casos. Quando conheci X pela primeira vez, X não era capaz de manter a atenção em algo ou numa conversa por 5 minutos sequer. A sua disposição variava entre uma letargia profunda e os altos e baixos próprios de quem toma muita medicação. Para além do olhar disperso, fugidio e baço que nunca mirava em frente, a primeira coisa que notei em X quando entrou na sala de prática, ainda no antigo shala, foi a postura que já pouco tinha de erecta: umas costas curvadas que escondiam totalmente o peito, as pernas sem firmeza, o andar bamboleante de quem tremia por dentro e por fora. E as crises de choro que tinha no savasana que era incapaz de fazer por 1 minuto sequer.

Passaram-se 3 anos e qualquer coisa e dizer que X já não é a mesma pessoa poderia ser um cliché. X é essa pessoa que se ergueu, que apostou em si quando tudo lhe dizia para não o fazer. Com uma das profissões mais desgastantes que se pode ter, com uma vida familiar exigente, encontrou sempre  dedicação, a força e o empenho para se dedicar à prática e ao que era preciso ser feito para se ajudar. Vem de longe de Matosinhos, mas ainda assim é rara a semana em que não vem praticar pelo menos 4 vezes por semana. A certa altura, e por experiência própria, achei que ela era a pessoa que a prática de ashtanga podia ajudar. Tentei convencê-la durante quase 1  ano; X achava que nunca ia memorizar a sequência de posturas. Um dia, lá se decidiu a tentar. Eu sabia que ela precisava de uma solução mais ‘radical’  e que as aulas de hatha yoga, em que são poucas as pessoas que se conseguem focar em si, já não eram suficientes. X precisava de enfrentar os seus demónios a sério, mas também ganhar a confiança, de saber por si, que era capaz, que é CAPAZ. Continua a ser ashtangi com mais assiduidade- complementando ainda com algumas aulas de hatha yoga. Está presente em qualquer  oportunidade adicional que há para aprender mais e segue em frente. Se deixou de ter dias maus? Não. Se deixou de ser, por vezes, tomada por sentimentos menos positivos? Não. Mas ninguém vai alguma vez deixar. Sem que alguma vez mo tenha dito, sei que houve (muitos) dias em que que X saíu frustrado(a) das aulas, que saíu zangado(a) comigo, que se perguntou se valeria a pena tanto esforço e dedicação. Não lhe mostrei os vários estudos científicos que mostram como o yoga em geral e o ashtanga em particular promovem resultados positivos nos problemas de saúde que X enfrentava. Houve dias em que fui dura e muito, muito assertiva com X. Houve dias em que lhe repeti inúmeras vezes para respirar, que abrisse o peito, que acreditasse, que fizesse, que não desistisse. Até ela quase não me poder ouvir 🙂 Não o faço com toda a gente, mas acima de tudo porque X teve sempre a bonita atitude de se colocar humildemente como aluna e estudante de yoga. Não minha aluna ou deste shala, mas do Yoga. E isso, no mundo de fast yoga, de fast trainings, de fast students, é cada vez mais raro. Mas para problemas fundos, a solução tem de ser radical. E a proposta do yoga é radical: a de ganhar autonomia para procurar as nossas próprias repsostas. Como todos os textos antigos de Yoga insistem em ensinar que, se pretendemos alcançar o Divino (ou a solução definitiva para a nossa vida) em nós, é-nos recomendado exercer um afiado, constante, profundo e claro discernimento, para defender-nos de ilusões, fantasias, equívocos e engodos.

Só assim podemos evitar iludir-nos e, se já estivermos iludidos, desiludir-nos em relação ao mundo impermanente e, portanto, ilusório e decepcionante.Só depois de nos sentirmos desiludidos quanto à impossível perenidade de tudo, pois tudo é transitório, chegaremos à mais libertadora e iluminadora conquista, que é desapegar-nos das coisas do mundo, sem o qual não podemos começar a caminhada rumo à única realidade perene”.

Tal como nos diz a Gheraṇḍa Saṁhitā (1:5)

“Assim como pelo aprendizado do alfabeto pode-se, através da prática, dominar todas as outras ciências, assim também, através de praticar inicialmente o Hatha Yoga, pode-se ascender à posse da Verdade.” ,

X podia ter seguido o caminho largo do ego e do bhoga (aquele que só busca o prazer e o que lhe agrada os sentidos, dominado por mil desejos, apegos e aversões), mas seguiu o caminho estreito da dedicação incondicional, da prática regular, do esforço por se auto-superar (de tapas, como falámos no último post). X optou pela inteligente auto-reeducação. E tem sido um privilégio observar a sua evolução, ver o caminho que fez, ver o ser humano incrível que é. Ver o seu corpo cada vez mais forte, a sua respiração cada vez mais presente, a postura cada vez mais leve. É sempre um prazer ver X no tapete, ver X vencer as suas lutas mesmo quando X pensa que não as está a vencer. Ver o seu pensamento e o seu coração a serem cada vez mais luminosos como sempre foram e que X vai finalmente vislumbrando.

Porque hoje é um dia especial, muito obrigada por esta viagem  partilhada!