Posts In: valores

Liberdade e perdão

22 de Setembro, 2022

Talvez a nossa maior necessidade seja focarmos no perdão. Isto inclui perdoar-se por quaisquer circunstâncias ou situações que pudessem sentir-se incompletas, perdoando os outros sem reservas, e pedindo perdão a outros que se possa ter magoado ou injustiçado, consciente ou inconscientemente. Não há uma única sessão de yogaterapia em que não confirme isto mesmo.

Perdão, kshama em sânscrito, é um dos clássicos yamas, ou orientações do yoga para a vida, que aparece entre a lista de virtudes em muitos textos de yoga, incluindo o Bhagavad Gita, o Hatha Yoga Pradipika, e outros.

Como a tradição do yoga, o perdão é uma prática central em muitas das tradições sagradas do mundo. No Judaísmo, por exemplo, os dez dias entre o Ano Novo e o Dia da Expiação, que acontecem na próxima semana, estão focados na reflexão e em pedir perdão pelos pecados incorridos no último ano.

O perdão é considerado indispensável para promover a paz interior porque guardar rancores e ressentimentos nos impede de sermos felizes e satisfeitos.

Não se trata de minimizar a dor ou negar a dor que podemos ter sentido. Também não se trata de exonerar a pessoa que nos injustiçou de fazer o seu próprio arrependimento. Em vez disso, trata-se de esquecer a amargura e o ressentimento que podemos sentir. Fazemos isto por nós mesmos, porque quando nos agarramos a esses sentimentos, eles tornam-se obstáculos à nossa felicidade, crescimento e evolução.

Martin Luther King, Jr disse:

O perdão não significa ignorar o que foi feito ou colocar um rótulo falso num acto maléfico. Significa, pelo contrário, que o acto maléfico já não é uma barreira à relação.

O Yoga ensina que o perdão dissolve a raiva. Desta forma, traz liberdade. Ao deixarmos de lado a nossa raiva e mágoa, libertamos os rancores e o ressentimento que nos impedem de seguir em frente — quer isso signifique entrar numa nova fase de uma relação, acabar com uma relação que já não nos serve, ou seja, diminuir o apego excessivo à vida eliminando assim uma das maiores causas de sofimento do ser humano, segundo Patanjali.

Praticar autenticidade

1 de Maio, 2022

 

Pode parecer estranho, ou mesmo contraditório, pensar na autenticidade como algo a praticar. Afinal, como podemos ser alguém além de quem realmente somos? A verdade é que é um desafio simplesmente experimentarmo-nos sem os filtros que influenciam a nossa compreensão de quem somos — a nossa história, inseguranças, julgamentos, expectativas e todos os outros vrttis (tendências latentes no nosso psiquismo) que nos fazem sentir que não somos suficientes.  A auto-consciência, a insegurança e a pressão para ser aceite pelos outros podem sobrecarregar a sua capacidade de simplesmente aparecer como a si mesmo. É natural, então, querer encobrir estes sentimentos tentando ser algo que não é. Na nossa relutância em ser vulnerável, perdemos todo o objetivo do ensino do yoga, que é dar aos outros permissão para aceitar e abraçar quem e onde estão no momento.

A prática da autenticidade é aprender a ver-se claramente e é preciso um esforço diligente. Temos que procurar este trabalho e tornarmo-nos um participante activo no seu próprio crescimento; não vai acontecer magicamente por si só. Aqui estão algumas ideias para ajudar a começar.

Praticar de forma consistente com um professor é essencial para cultivar a auto-consciência. Embora haja um imenso valor na aprendizagem com diferentes professores — ao expor-se a diferentes, mesmo conflituosas, perspetivas — não consigo enfatizar o suficiente a importância da consistência. Escolher um lugar para cavar e, em seguida, cavar fundo. Se uma aula semanal não for uma opção, inscreva-se nos workshops do seu professor ou assista a um dos seus retiros. Sei que pode ser um desafio esculpir o tempo, mas deve vê-lo como um investimento em si mesmo, na sua prática e na sua carreira. Na minha opinião, isto não é negociável.

Crie uma relação com um professor que respeite e confie – alguém que aparece plenamente e esteja genuinamente investido em si. Trabalhar com um professor reforçará conceitos através da repetição; tornar-se-á fluente numa língua, facilitando a digestão, assimilação e comunicação do que aprende. O seu professor vai segurar um espelho e também manter o espaço para que você processe a sua própria experiência para que  possa começar a trabalhar através dos seus pontos cegos, inseguranças, ego, medo e limitações auto-determinadas. Ser visto, ouvido e compreendido desta forma vai fortalecer a sua relação com o professor mais importante de todos: você mesmo. Ele irá dar-lhe uma compreensão aprofundada do processo que você é responsável por facilitar para os seus alunos.

O diário da sua prática é outra ferramenta eficaz para cultivar a auto-consciência.  Seja honesto sobre as suas inseguranças e os seus gatilhos. Isto irá treiná-lo para olhar a sua experiência objectivamente e ensiná-lo a ser o seu próprio espelho. Estudar-se no papel acabará por ensinar a ver-se em tempo real — para testemunhar a sua prática e o seu ensino no momento e responder com uma ação clara e hábil.

Por último, crie espaço na sua vida fora da sala de aula para processar a sua própria experiência. Aprenda sobre si mesmo de todas as perspectivas – física, enérgica, emocional e psicológica. Seja sob os cuidados de um terapeuta, com o apoio de um amigo de confiança, ou na confiança de um professor, é importante que você cave sob a superfície e identifique a raiz dos seus padrões. Muitas vezes recorremos a estas modalidades em tempos de crise, quando os nossos corpos, corações e mentes pedem ajuda.

Espero que estas dicas te ajudem a ficar mais em ti mesmo(a). A prática da autenticidade dá-nos a consciência e a coragem para relaxarmos em nós mesmos. A autenticidade, então, pode tornar-se o nosso estado natural de ser. As ferramentas de autoestudo ajudam-nos a navegar neste processo oferecendo-nos os instrumentos para olharmos para dentro — para vermos claramente a verdade de quem somos e também para enfrentarmos tudo o que não é verdade para o nosso autêntico Self.

Este é um trabalho árduo que vale a pena fazer.

O universo não manda sinais

18 de Setembro, 2021

 

O universo dá sinais? Não.

Peço desculpa se ofendo alguma crença, mas o universo não dá sinais a ninguém.

Sim, o Universo tem sinais, inclusive tem um padrão de sinais de rádio repetido cuja origem, descobriu-se recentemente, remonta a uma galáxia a cerca de 500 milhões de anos-luz da Terra. E, por enquanto, só temos evidências científicas da existência de sinais de rádio no universo e não são dirigidos a ninguém em particular.

Por isso, já era tempo de deixarmos cair essa desculpa para justificar o que quer que seja que aconteça na nossa vida. A pessoa não acredita em Deus, não acredita na existência de outros seres inteligentes que possam – em diferentes planos vibracionais da existência influenciar a sua vida e psique – mas depois acredita que o universo manda sinais para alguém e que o universo está interessado nos nossos problemas individuais? Lamento, mas não está.

“Mas então, o universo não me diz, por sinais, qual é o meu propósito de vida?”

Não, o universo não é uma entidade inteligente nem criadora. Sabemos que ele faz e contém coisas inusitadas, mas mandar sinais para cada um de nós não é uma delas. Hoje sabe-se que o universo é composto por energia e matéria escuras e pela energia e matéria que nos compõe.

“Mas e o propósito da minha vida…”

A única coisa que importa dizer é que não interessa qual é a tua profissão, quantos graus académicos tens ou se tens algum, o tamanho da tua conta bancária, se tens família ou não, se te dedicas ao yoga, à jardiangem ou a ser bombeiro. Se há algum propósito na nossa vida é que nos voltemos para os interesses da alma. O nosso aperfeiçoamento moral é tudo o que mais importa (já agora, acho que basta olhar o mundo à nossa volta para percebermos isso). É claro que a nossa caminhada segue e está incluída no que acontece no universo visível e invisível. Ninguém vive realmente sem objetivo existencial. O ser humano suporta qualquer tipo de perda, naturalmente dentro dos seus limites emocionais, não, porém, a perda do objectivo existencial.

Se o indivíduo perde a motivação para o crescimento interno, e a conquista de valores externos, porque se encontra sob recriminação e culpa, incerteza e desinteresse existencial, a sua vida torna-se exaustiva e doentia, porque destituída de ideais e de realizações.

A existência saudável é dinâmica, cheia de acções bem sucedidas e outras menos, que se inter-relacionam num panorama de acertos e de erros, enganos esses que se convertem em aprendizagem para futuras conquistas que nos ajudam a crescer.

A vida sem sentido é uma experiência sem vida. O vir-a-ser dá sentido existencial à vida, promovendo-a e dignificando-a, tornando-a saudável e bela.

Estabelecido, portanto, um roteiro psicoterapêutico valioso ou organizada uma simples proposta de bem-estar pessoal, o vir-a-ser é essencial na estruturação da saúde do indivíduo, que se trabalha motivado pa

O tempo da vivência terrestre pede sempre que lhe demos um sentido útil, que procuremos saber qual é a razão de fazermos o que fazemos e de ser como somos. Senão, para quê passarmos tanto tempo pelas experiências do corpo biológico, de enfrentarmos tantas dificuldades, de superarmos variados embates, sem que tenhamos consciência de sua razão?

Para tudo o que fizer ou deixar de fazer, que haja um sentido claro ou uma ponderável razão.

Não é preciso filosofarmos sobre por que ficamos a dormir até mais tarde ou porque gostamos da cor azul,  mas quando se tratar de acções que terão peso sobre a nossa vida, aí sim, busquemos sempre uma razão para fazê-las.

Procure encontrar e compreender os motivos pelos quais está no mundo, no tempo presente, nas suas circunstâncias, e não viva ao sabor da sorte. E sobretudo, aceite o sofrimento, mas não se apegue a ele. Ninguém nasceu para sofrer nem culpado de coisa alguma. Quando nos fechamos num sofrimento inútil e prolongado, só desperdiçamos oportunidades. É possível quebrar esse ciclo vicioso e viver com mais ânimo, realismo e com a certeza de que podemos conduzir a nossa própria vida. Nós e não o universo.

Quando se sentir impotente e sem fé, pergunte-se o que lhe falta. E vai ver que só lhe falta esperança.

“O futuro bem entendido está no presente bem vivido”

Sugestão de leitura: Man’s search for meaning, Viktor Frankl

 

Fazer Yoga ou Ser Yoga?

3 de Junho, 2021

 

 

Yoga é uma vivência que mexe com tudo em nós, nada é deixado para trás. Quando realmente assimilei isto percebi que o yoga poderia ser mais do que uma aula que eu fazia uma ou duas vezes por semana para exercitar o meu corpo e acalmar depois de um dia stressante no trabalho. Devagarinho, fui percebendo que o yoga era uma disciplina holística, um conjunto de práticas que poderiam abordar todo o meu ser e que me dava a possibilidade de crescimento e de uma mudança expansiva e efectiva.

Na altura, eu não sabia o que queria fazer com o meu futuro, mas sabia que procurava (e ainda procuro) algo diferente do estilo de vida corporativo (e mais tarde académico) que muitos dos meus colegas estavam a viver.

Como muitos de nós, fui criada numa cultura onde uma vida significativa era muitas vezes equiparada à realização mundana e à riqueza material. Mas ainda em jovem, longe de saber que havia uma coisa chamada yoga, comecei a questionar essa ideia. Muitas das pessoas que eu conhecia que tinham alcançado o sucesso pareciam longe de estar satisfeitas. Senti que por baixo do seu sucesso externo havia um vazio interno e uma sensação de falta.

Eu tinha lido alguns livros sobre filosofia oriental para saber que essas tradições ensinavam, em primeiro lugar, que a única fonte de contentamento verdadeiro e duradouro está dentro de nós mesmos. Mas foi só quando percebi a extensão do que é essa disciplina prática, filosófica e contemplativa, que entendi que o yoga era um caminho para descobrir a realização que não tinha nada a ver com meu status ou realizações no mundo. Isso impulsionou-me a mergulhar profundamente na prática e ensinamentos da tradição do yoga já lá vão 10 anos. E o que descobri foi como estar comigo mesma e viver no mundo com maior propósito e mais alegria.

Claro, não há absolutamente nada de errado em simplesmente “fazer yoga”. Há enormes benefícios físicos e emocionais a serem obtidos ao aparecer e praticar uma ou duas vezes por semana. Com o tempo, porém, podemos tornarmo-nos mais curiosos sobre como o yoga realmente funciona, por que nos sentimos melhor após a prática e como podemos usar o yoga para nos ajudar a lidar de forma mais eficaz com os desafios nas nossas vidas. Também podemos, como no meu caso, sentir um anseio pela transformação interior e crescimento pessoal que o yoga nos pode oferecer. Acredito que é aqui que entra a filosofia e uma prática reflexiva ou contemplativa — “ser yoga” em vez de apenas “fazer yoga”.

A mudança de “fazer yoga” para “ser yoga” é fundamentada não só no que fazemos. Em última análise, trata-se de fazer um esforço para integrar o que aprendemos na prática no resto de nossas vidas. No meu caso, foi a minha prática de meditação e estudos contemplativos, tanto por minha conta quanto com professores dentro de uma linhagem da tradição oral védica, que expandiram o papel que o yoga desempenhou na minha vida. Com o tempo, com a prática regular de meditação, leitura e reflexão sobre esses ensinamentos, tirando (ou ganhando) tempo para estar em silêncio e na natureza tornou-se parte da minha vida diária, a incerteza que eu sentia sobre o meu futuro foi gradualmente substituída por um senso subjacente de autoaceitação e contentamento. Desde então, passei a confiar nessas práticas para ganhar perspectiva, lembrar a preciosidade da vida e permanecer fiel aos meus valores. Eles deram-me um refúgio em tempos difíceis, expandem a minha capacidade de experimentar alegria, e ajudam-me a processar situações na minha vida através das lentes dos princípios do yoga.

Na sua forma tradicional, o yoga é feito para mudar quem somos como seres humanos, nossa relação com nós mesmos e como aparecemos no mundo. Acredito que, com o tempo, uma prática reflexiva de yoga ajuda-nos a sermos seres humanos mais gentis e benevolentes. Dessa forma, ajuda-nos a experimentar maior felicidade interior e realização, e também contribui para o aperfeiçoamento do nosso mundo.

 

Yoga ajuda-me ainda a cumprir os papéis e responsabilidades da minha vida com maior entusiasmo, clareza e perspectiva. A prática ajuda-me a tomar melhores decisões a ficar centrada quando surgem desafios inesperados e a ser uma presença confiável e solidária para as pessoas na minha vida.

 

No seu prefácio no livro Evolving Your Yoga: Ten Principles for Enlightened Practice, Sophie Trudeau escreveu:

“With body awareness, mental focus, breathing exercises, and some fun (yes, yoga can be laughter-inducing!), yoga is an accessible, adaptable, and transformative practice. It’s possible to live a life with less guilt, less anxiety, and less frustration – leaving space for more self-respect, peace, and self-love.”

Esta tem sido realmente a minha experiência e depois de tantos anos, e com muitas desilusões com o mundo do yoga pelo caminho, ainda me vejo completamente apaixonada e grata pela possibilidade de ter o yoga como uma prática que evolui comigo ao longo da vida ajudando-me a viver e concretizar o meu propósito de vida que, esse sim, vai mais além do yoga. O meio não é o fim.

Yoga e Raiva

16 de Fevereiro, 2021

 

Há tantas razões para perder a calma e para nos dar os 5 minutos. A raiva pode ser uma defesa contra o medo. Factores de stress, como trabalho, problemas familiares, problemas financeiros, alcoolismo e depressão, tornam-se sinalizadores. Sentimentos feridos podem causar reações furiosas. Ou, você pode reagir a algo aparentemente trivial — alguém a caminha muito lentamente à sua frente num passeio, quando está cheio de pressa, por exemplo — e isso liga-se a um problema retido no inconsciente.

A raiva é rajasica, uma energia primordial que alimenta a raiva, mas pode ser temperada e usada para o crescimento. O poder da raiva parece monumental e incontrolável, mas uma crescente consciência das conexões com outras pessoas é a chave para o autocontrolo. Todos estamos a trabalhar nisso. Não há ninguém perfeito.

As pessoas tendem a sentir mais raiva em tempos de mudança? Se sim, por quê? E você está achando que os níveis de raiva são particularmente altos para as pessoas que lidam com a pandemia COVID-19?
As nossas memórias de como as coisas eram parecem, hoje, um sonho, e o mundo actual é irreconhecível. Os nossos planos e esperanças estão espalhados como areia ao vento. O futuro que tínhamos imaginado desapareceu, fazendo-nos sentir assustados, enganados, confusos e irritados enquanto lutamos contra um inimigo invisível e implacável. As pandemias têm lógicas muito próprias.

Aqueles que conseguem aceitar que estamos num tempo diferente, um tempo de guerra, são mais capazes de lidar com as consequências. Outros tentam lutar contra isso, e ficam muito zangados. Os casos de abuso infantil e conjugal são bastante altos hoje em dia, por estarmos trancados juntos e usando essa raiva sobre nós mesmos e uns sobre os outros.

Quais são alguns dos problemas causados por sentir frequentemente raiva?
Pessoas que sentem frequentemente raiva perdem o seu bom julgamento e afrouxam as suas conexões com a vida. São pessoas normalmente num estado furioso, irritável e incapaz de participar de relacionamentos profundos, cegos à evanescência do ser. Amor e beleza desaparecem. A ternura é substituída pelo sadismo.

Existem outras emoções, como ressentimento e ciúme, que devemos considerar como formas de raiva e que devem ser abordadas da mesma forma geral?
Ressentimento e ciúme são duas formas diferentes, mas relacionadas de raiva. O ressentimento pode ser um crescimento da raiva. A pessoa A sente que eu deveria pegar isso, e B levou embora. A sente raiva e amargo.O ciúme é um pouco mais complicado porque é uma interação de três pessoas. Digamos que A ama B, e B ama A, até C aparecer e roubar os afetos de B. Agora B e C estão juntos. A está sozinho, magoado, zangado e ciumento.

O ressentimento pode tornar-se caráterológico e causar amargura crónica. A falta de confiança no outro pelo ciúme impede o pleno desenvolvimento das relações. Em ambos os casos, esses sentimentos tornam as conexões difíceis de alcançar e manter. A consciência e aceitação das emoções é o primeiro passo para lidar com elas. Sente-se com elas calmamente, absorva-as e veja que histórias podem surgir. Essas histórias são suas para aceitar e talvez modificar no futuro. Considere mudar o enredo.

Em geral, como o yoga pode ajudar as pessoas que estão sentindo muita raiva e/ou emoções relacionadas?

Yoga aproxima-nos do nosso corpo, sentimentos e mente. Thich Nhat Hanh disse: “Inspirando, eu sei que estou com raiva. Expirando, eu sei que a raiva está em mim”. O primeiro passo é reconhecer e fazer amizade com os seus sentimentos, e então perguntar-se por que e como está com raiva. Saiba que é humano, e a pessoa com quem você está com raiva também é humana. Raiva é a conexão entre vocês.

Quais são algumas práticas específicas de yoga e/ou posturas que recomenda ou sugere para resfriar essas emoções ardentes?
Começa com a respiração básica. Siga o fôlego. Respeire de forma longa, profunda, lenta. Isso ajudará a controlar a energia feroz da raiva e levará ao autoconhecimento.

Existem muitas práticas físicas que são calmantes: Kapalabhati), uma respiração purificadora, que pdoe ajudar a liberar raiva. Posturas mais desafiantes podem ajudar, também, assim como sequências de yoga restaurativa. Uma das minhas posturas favoritas é Supta Baddha Konasana. Para fazer essa pose, deite-se de costas, palmas viradas para cima perto de seu corpo, e traga os calcanhares de seus pés para tocar. Apoie os joelhos com cobertores ou blocos. Feche os olhos, fique quieto e respire.

Existem práticas de yoga e/ou posturas que as pessoas a sentir raiva e/ou emoções relacionadas devem evitar?
Se achar que um estilo particular de prática alimenta a sua raiva evite-a. Ou estilos de alguns professores. Já me aconteceu. Isso, é claro, é uma questão individual. Lembre-se, deixe seu corpo fazer o seu yoga, não force o seu corpo no que é descrito como a postura de yoga ideal. Isso não existe.

Nem expressar nem suprimir a raiva levam a um resultado positivo. Em vez disso, sente no teu corpo e no teu coração o que és, e para onde o teu espírito te leva.

Não basta compreender

22 de Outubro, 2020
Quem lamenta, ainda não quer solução.
Sabemos como é desafiador ajudar (ou ajudarmo-nos) quem ainda não está desejoso ou pronto para assumir responsabilidades e decisões transformadoras.
Muitas pessoas  só querem “entender” o seu problema.
Esta postura assemelha-se à do prisioneiro que se torna expert em explicar as barras da cela da prisão e o que o levou até ali, e com a chave na porta não a vira para se libertar. Continua sofrendo, com uma bela explicação. Porque esta chave chama-se decisão e responsabilização por si mesmo.
Para ter solução e libertação é preciso não só compreender, mas estar disposto a pagar o preço que a solução custa.
Muitas vezes este preço é a solidão, a individuação, a renúncia, o sacrifício de algo, o desapego, a aceitação, a perda das expectativas, a compaixão, o reconhecimento de um amor, a despedida dos pais, o “adultecer” e tantos outros movimentos que custam perder a inocência infantil (que se esconde por detrás do vitimismo) e desenvolver a responsabilização pessoal, movendo-se do entendimento para a decisão e desta para a atitude libertadora.
Só os adultos assumem responsabilidades e tomam decisões. As crianças queixam-se e lamentam-se, prisioneiras de si mesmas,das circunstâncias e das decisões dos outros.
Os adultos que decidem tornar-se autores da sua própria história ressignificam a vida, desenvolvem resiliência e constroem novas realidades que trazem paz.

Isto não é uma simulação

13 de Agosto, 2020

Muitos de nós podem ser perdoados por terem pensado que essa coisa da vida era muito fácil. As últimas décadas foram boas para nós. Economias em expansão. Variadas e impactantes tecnologias.

Estávamos a viver, como um académico disse após a queda do comunismo, o fim da história. Todos aqueles momentos trágicos e sombrios do passado… pertenciam ao passado.

Não há nada como uma pandemia global – estranhamente semelhante às pragas do mundo antigo – para nos rebentar com essa noção. E como não quando ouvimos que Nova York, a jóia da coroa deste mundo moderno e aconchegante em que vivemos como crianças mimadas, teve que montar necrotérios temporários para lidar com as pilhas crescentes de cadáveres. Nada como ouvir que milhões de pessoas estão no desemprego ou em empregos cada vez mais precários para nos acordar para a realidade: esta pandemia não é uma simulação.

Não. Isto é a vida real. É para isso que temos treinado e deveriamos ter treinado. “Nenhum papel é tão adequado à filosofia como aquele em que você está agora”, disse Marco Aurélio… quando o império de Roma parou e a praga assolou sobre a cidade. “A vida é uma guerra e uma jornada longe de casa”, disse ele, enquanto lutava, por anos a fio, contra invasores nas fronteiras do seu império.

Estamos a viver a história, assim como Marcus e todos os estoicos estavam. Isto não é uma simulação. É hora de trabalhar. É hora de incorporar a filosofia e o yoga de que falamos. É hora de reunir essas virtudes críticas de Coragem, Temperança, Justiça e Sabedoria. O nosso modus operandi tem de mudar. Não podemos simplesmente adaptar e fazer tudo como antes, apenas de forma diferente. Temos realmente de mudar a nossa bússula. E Querer mais: não mais do mesmo, mas mais da Liberdade do Ser e não da do Ter.

Isso não será fácil, mas é o que está na nossa frente.

Estás com medo? Tudo bem.  Mas isso é em parte porque estás bem no olho do furacão —estás a olhar para tudo isto demasiado perto, com as contas para pagar, com os filhos a precisar, com os empregos a deixarem de o ser. Se pudermos diminuir o zoom, só um pouco, teremos alguma perspectiva. Somos lembrados de que isto também passará, que sobreviveremos.

Hemingway abre O Sol Também se levanta – ambientado após uma guerra terrível, que foi seguida por uma terrível pandemia, com todos os tipos de tragédias individuais comuns pelo meio – com um dos versos mais bonitos da Bíblia, um que soa como se pudesse ter sido escrito por Marco Aurélio:

“Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece. Nasce o sol, e o sol se põe, e apressa-se e volta ao seu lugar de onde nasceu…”

Todos os dias desde que esta crise começou, o sol nasceu e pôs-se. A lua saiu e brilhou. A relva cresceu. Bebés nasceram. Pessoas tiveram ideias. Pessoas apaixonaram-se. Isso é tão verdadeiro agora como foi durante a Peste que Marco Aurélio suportou por 15 anos, foi verdade depois, e será verdade sempre.

Temos que encontrar uma maneira de ter algum consolo nisso, para continuarmos em nós mesmos. Vamos superar isto, como sempre passamos por tempos difíceis. Haverá um novo normal. Vamos adaptar e ajustar.

A vida permanecerá para sempre, então não há razão para ficar com raiva ou com medo ou com amarguras. Apenas aguenta aí. Faz o melhor que puderes nos lugares certos com as pessoas certas. Não sejas como foste antes da pandemia, sê melhor.

P. S.:

Não tens de passar por tudo sozinho. A jornada de yoga de um praticante pode ser muito solitária, porvezes; sim temos que nos esforçar no auto-estudo (svadhyaya), mas em nenhum lugar diz que temos que fazer isso isoladamente. E acho que já temos confinamentos que cheguem nas nossas vidas por estes dias.

Um shala é um lugar de saúde física, mental e espiritual. E saber isso, ter isso como missão manteve-me firme nos meses em que tivemos de encerrar. Porque eu teria de prestar contas no momento em que decidisse reabrir. Prestar contas a quem? A quem viesse praticar no shala. Internamente, eu tinha uma responsabilidade para com os praticantes e não ia desapontá-los. A única forma de o fazer era manter-me à tona – praticando. Isso manteve-me responsável, e ainda mais empenhada na prática e nos compromissos que assumi quando o abri. Yoga é estar presente. Inteiramente. Sem adaptações, sem simulações. Yoga é presença integral.

 

(ENGLISH)

Many of us can be forgiven for having thought that this life thing was pretty easy. The last few decades have been pretty good to us. Booming economies. Great technology. Our wars have had limited impact on our populace and our recessions have been short.

We were living, as one academic said after the fall of communism, after the end of history. All those tragic, bleak moments of the past…were past us.

There’s nothing like a global pandemic—one eerily similar to the plagues of the ancient world—to disabuse us of that notion. Nothing brings that home quite like hearing that New York City, the crown jewel of this cushy, modern world, had to set up temporary morgues to handle the growing piles of bodies. Nothing like hearing that millions of people are out of work to make it clear that this is not a drill.

No. This is real life. This is what we have been—and should have been—training for. “No role is so well-suited to philosophy as the one you happen to be in right now,” Marcus Aurelius said…as Rome’s empire ground to a halt and the plague descended upon the city. “Life is warfare and a journey far from home,” he said, as he battled invaders at the frontier for years on end.

We are living through history, just as Marcus was and all the Stoics were. This is not a drill. It’s time to put on our big girl pants and get serious. Get to work. It’s time to embody the philosophy we have talked about. It’s time to muster those critical virtues of Courage, Temperance, Justice, and Wisdom.

This won’t be easy, but it’s what’s in front of us.

NOTE:

You don’t have to go through it all by yourself. A practitioner’s yoga journey can be very lonely at times; yes we have to strive in self-study (svadhyaya), but nowhere says we have to do this in isolation. And I think we’ve got enough lockdowns in our lives these days.

A shala is a place of physical, mental and spiritual health. And knowing that, having that as a mission kept me going in the months we had to shut down. Because I’d have to be held accountable the moment I decided to reopen. Accountable to whom? To those who came to practice in the shala. Internally, I had a responsibility to the practitioners and was not going to disappoint them. The only way to do that was to stay afloat by practicing. This kept me responsible, and even more committed to the practice and commitments I made when I opened it. Yoga is being there. Entirely. No adaptations, no simulations. Yoga is integral presence.

O trabalho começa no tapete e prolonga-se para além dele. Do denso ao subtil. Do impossível ao possível. 

O corpo é instrumento
De ser feliz, não de pesar.
É um desdizer que nos diz
Em cada hora, momento
É instrumento de ser feliz
Não de doer, nem magoar.

É barca de ser e singrar
Com alento, não de choro.
Dá prazer, e não lamento
Para querer, sem crer estar;
Pra combater o tormento
Sem laxismo nem decoro,
O corpo é instrumento
De dar prazer, não dá penar.

O corpo é instrumento
De ser feliz, não de pesar,
Seja rápido ou lento,
O corpo é instrumento
Não de doer, mas de amar.

O corpo quer só bom trato
E atenção, pra conseguir
Uma plena realização.
Não é pedra no sapato
Ou ingrato por condição
De coxeio, mas de sorrir.

Meio de gozo sem perversão
Nem ditado, que premeia,
Ou círculo quadrado,
Mas diz sim, se sim; não, se não
Em todo e qualquer lado
Se apraz, não esperneia
Meio de gozo sem perversão
Nem ditado que permeia,
O corpo é instrumento
De ser feliz, não de pesar,
Seja rápido ou lento,
O corpo é instrumento
Não de doer, mas de amar.

Seguir a verdade

30 de Abril, 2020

“Antes, seguindo a verdade em caridade, cresçamos em tudo  – Paulo.

 

Porque a verdade participa igualmente da condição relativa, inúmeros pensadores enveredam pelo negativismo absoluto, convertendo o materialismo em zona de extrema perturbação intelectual.

Como interpretar a verdade, se ela parece tão esquiva aos métodos de apreciação comum?

Alardeando superioridade, o cientista oficioso assevera que o real não vai além das formas organizadas, à maneira do fanático que só admite revelação divina no círculo dos dogmas que abraça.

Paulo, no entanto, oferece indicação proveitosa aos que desejam penetrar o domínio do mais alto conhecimento.

É necessário seguir a verdade em caridade, sem o propósito de encarcerá-la na gaiola da definição limitada.

Convertamos em amor os ensinamentos nobres recebidos. Verdade somada com caridade apresenta o progresso espiritual por resultante do esforço. Sem que atendamos a semelhante imperativo, seremos surpreendidos por vigorosos obstáculos no caminho da sublimação.

Necessitamos crescer em tudo o que a experiência nos ofereça de útil e belo para a eternidade, mas não conseguiremos a realização, sem transformarmos, diariamente, a pequena parcela de verdade possuída por nós, em amor aos semelhantes.

A compreensão pede realidade, tanto quanto a realidade pede compreensão.

Sejamos, pois, verdadeiros, mas sejamos bons.”