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A prática de lembrar

12 de Setembro, 2021

Meditação

Há alturas em que nos sentimos mais desorientados, mais desconectados, mais ‘aéreos’. Alturas em que temos de lidar com o mundo a mudar à nossa volta, com as mudanças nas nossas vidas externas, mas também com mudanças em nós mesmos. E ainda que saibamos, mais ou menos, confiar nesse processo de mudança, às vezes o stress, ou os diferentes tipos de stress que nos afectam, engolem as partes em nós que mais apreciamos.

Por isso, escrevi esta meditação que quero partilhar convosco para nos ajudar a conectar a uma compreensão mais profunda de nós mesmos.

E as nossas memórias podem muito bem ser um instrumento que nos ajude nessa conexão, em particular, memórias e experiências do passado que despertaram em nós criatividade, alegria, leveza. Quando me conecto a essas qualidades dentro de mim, sinto-me em casa. E são a essas qualidades com as quais eu luto para me conectar quando me sinto sobrecarregada ou ansiosa. Focar nas minhas memórias na minha prática de meditação pode ajudar a deixar cair a narrativa no centro do meu stress e abrir espaço para um conhecimento mais profundo de mim mesma.

Meditação

Convido-te, então, a redescobrires-te através da arte da memória. Tira um momento para contemplar uma qualidade dentro de ti que gostarias de experimentar — uma parte de ti que tenhas esquecido. Pensa numa memória que capture a essência dessa qualidade.

Para começar, senta-tee confortavelmente. Olha para um ponto parado e relaxa os olhos. Podes fechá-los, se quiseres. Traz a atenção para tua respiração. Observa a tua respiração corporal e usa a expiração para liberar qualquer tensão que possas notar no teu rosto, ombros ou abdómen. Quando apanhares a tua mente a vaguear, basta trazê-la de volta à observação da respiração.

Agora foca na memória que escolheste. Vê-ee nesse momento. Pinta um quadro vívido na tua mente. O que vês? O que ouves? O que sentes? Tira alguns minutos para reviver a experiência no teu corpo.

Imagina respirar a memória nos teus pulmões — o cheiro, as cores, os sons. Deixa-te preencher por essa memória.

Como é seres tu mesmo naquele momento? Que aspecto de ti despertou? Observa a tua respiração e observa quaisquer mudanças na tua energia.

Fica com esse sentimento o quanto quiseres.

Quando estiveres pronta/o, lentamente aprofunda a respiração. Solta o queixo na direcção do peito. Se os teus olhos estiverem fechados, abre-os suavemente. Toma o teu tempo voltando para o lugar onde estás.

Podes reflectir sobre a experiência na tua meditação — detalhes sobre a memória que se revelaram para ti; como era revisitar o lugar e tempo escolhidos; ou como a tua memória te ligou de volta a ti mesmo/a.

A memória é uma ferramenta que pode ajudar-nos a ver mais claramente através das lentes das nossas experiências passadas. Incorporar a memória na minha prática de meditação enraiza-me em mim mesmo e lembra-me que estou sempre tornar-me mais quem eu realmente sou. Esse processo de redescoberta inspirou uma compreensão muito mais profunda de mim mesma.

Fazer Yoga ou Ser Yoga?

3 de Junho, 2021

 

 

Yoga é uma vivência que mexe com tudo em nós, nada é deixado para trás. Quando realmente assimilei isto percebi que o yoga poderia ser mais do que uma aula que eu fazia uma ou duas vezes por semana para exercitar o meu corpo e acalmar depois de um dia stressante no trabalho. Devagarinho, fui percebendo que o yoga era uma disciplina holística, um conjunto de práticas que poderiam abordar todo o meu ser e que me dava a possibilidade de crescimento e de uma mudança expansiva e efectiva.

Na altura, eu não sabia o que queria fazer com o meu futuro, mas sabia que procurava (e ainda procuro) algo diferente do estilo de vida corporativo (e mais tarde académico) que muitos dos meus colegas estavam a viver.

Como muitos de nós, fui criada numa cultura onde uma vida significativa era muitas vezes equiparada à realização mundana e à riqueza material. Mas ainda em jovem, longe de saber que havia uma coisa chamada yoga, comecei a questionar essa ideia. Muitas das pessoas que eu conhecia que tinham alcançado o sucesso pareciam longe de estar satisfeitas. Senti que por baixo do seu sucesso externo havia um vazio interno e uma sensação de falta.

Eu tinha lido alguns livros sobre filosofia oriental para saber que essas tradições ensinavam, em primeiro lugar, que a única fonte de contentamento verdadeiro e duradouro está dentro de nós mesmos. Mas foi só quando percebi a extensão do que é essa disciplina prática, filosófica e contemplativa, que entendi que o yoga era um caminho para descobrir a realização que não tinha nada a ver com meu status ou realizações no mundo. Isso impulsionou-me a mergulhar profundamente na prática e ensinamentos da tradição do yoga já lá vão 10 anos. E o que descobri foi como estar comigo mesma e viver no mundo com maior propósito e mais alegria.

Claro, não há absolutamente nada de errado em simplesmente “fazer yoga”. Há enormes benefícios físicos e emocionais a serem obtidos ao aparecer e praticar uma ou duas vezes por semana. Com o tempo, porém, podemos tornarmo-nos mais curiosos sobre como o yoga realmente funciona, por que nos sentimos melhor após a prática e como podemos usar o yoga para nos ajudar a lidar de forma mais eficaz com os desafios nas nossas vidas. Também podemos, como no meu caso, sentir um anseio pela transformação interior e crescimento pessoal que o yoga nos pode oferecer. Acredito que é aqui que entra a filosofia e uma prática reflexiva ou contemplativa — “ser yoga” em vez de apenas “fazer yoga”.

A mudança de “fazer yoga” para “ser yoga” é fundamentada não só no que fazemos. Em última análise, trata-se de fazer um esforço para integrar o que aprendemos na prática no resto de nossas vidas. No meu caso, foi a minha prática de meditação e estudos contemplativos, tanto por minha conta quanto com professores dentro de uma linhagem da tradição oral védica, que expandiram o papel que o yoga desempenhou na minha vida. Com o tempo, com a prática regular de meditação, leitura e reflexão sobre esses ensinamentos, tirando (ou ganhando) tempo para estar em silêncio e na natureza tornou-se parte da minha vida diária, a incerteza que eu sentia sobre o meu futuro foi gradualmente substituída por um senso subjacente de autoaceitação e contentamento. Desde então, passei a confiar nessas práticas para ganhar perspectiva, lembrar a preciosidade da vida e permanecer fiel aos meus valores. Eles deram-me um refúgio em tempos difíceis, expandem a minha capacidade de experimentar alegria, e ajudam-me a processar situações na minha vida através das lentes dos princípios do yoga.

Na sua forma tradicional, o yoga é feito para mudar quem somos como seres humanos, nossa relação com nós mesmos e como aparecemos no mundo. Acredito que, com o tempo, uma prática reflexiva de yoga ajuda-nos a sermos seres humanos mais gentis e benevolentes. Dessa forma, ajuda-nos a experimentar maior felicidade interior e realização, e também contribui para o aperfeiçoamento do nosso mundo.

 

Yoga ajuda-me ainda a cumprir os papéis e responsabilidades da minha vida com maior entusiasmo, clareza e perspectiva. A prática ajuda-me a tomar melhores decisões a ficar centrada quando surgem desafios inesperados e a ser uma presença confiável e solidária para as pessoas na minha vida.

 

No seu prefácio no livro Evolving Your Yoga: Ten Principles for Enlightened Practice, Sophie Trudeau escreveu:

“With body awareness, mental focus, breathing exercises, and some fun (yes, yoga can be laughter-inducing!), yoga is an accessible, adaptable, and transformative practice. It’s possible to live a life with less guilt, less anxiety, and less frustration – leaving space for more self-respect, peace, and self-love.”

Esta tem sido realmente a minha experiência e depois de tantos anos, e com muitas desilusões com o mundo do yoga pelo caminho, ainda me vejo completamente apaixonada e grata pela possibilidade de ter o yoga como uma prática que evolui comigo ao longo da vida ajudando-me a viver e concretizar o meu propósito de vida que, esse sim, vai mais além do yoga. O meio não é o fim.

 

 

À vontade, no momento presente, espaçosa, clara, enraizada, centrada, calma, resolvida.

Estas são algumas das palavras que descrevem a minha experiência de estar alinhada na minha prática de ásana ontem – uma prática focada na parte inferior do corpo com torções e posturas sentadas.

Articular experiências benéficas no yoga fortalece.

Portanto, convido-te a explorar o teu próprio processo de alinhamento:

– Como deixas de te sentir fora de sincronia para sincronizado(a)? Como passas da dispersão para o foco?

– Como descreveria o movimento em direcção à unidade e à integralidade que resulta de juntares as peças e partes de ti numa maior harmonia?

– Que palavras transmitem a experiência de te sentires alinhado no teu corpo e ser?

Para começar, talvez seja útil partilhar um pouco sobre minha a experiência. Para mim, alinhamento é um processo que se move na pulsação.

Por um lado, há um aspecto desconstrutivo: eu sinto onde estou a segurar e onde estou a soltar e relaxar. Eu solto a tensão e suavizo um pouco da dureza que limita e bloqueia. Levei anos neste processo e tenho muitos mais pela frente.

Há, então, uma componente edificante: eu ajusto-me e respondo com um movimento intencional e propositado em direção à integração. Volto e refaço a postura, sinto, e deixo ir um pouco mais.

Como de costume, o alinhamento resulta de uma combinação de esforço e rendição, fazendo e sendo, acção e reflexão.

E, já que me perguntam isso com frequência suficiente, vou acrescentar que raramente esses dois aspectos de se mover em alinhamento se unem para mim. Em vez disso, eles acontecem em sucessão, primeiro um e depois o outro, para frente e para trás. repetidamente.

A experiência da unidade completa? Acontece por vezes. Mas é sempre espectacular como a consciência canta no nosso corpo.

Os verdadeiros presentes, porém, vêm depois. Quando o trabalho da prática se instala e eu vou para o resto do meu dia é quando o valor do alinhamento parece mais tangível, claro e duradouro.

 

Recebi mais uma questão sobre a prática….

“Sinto que sou incapaz de levar minha coluna inferior – área lombar e sacro para dentro do corpo em Adho Mukha Svanasana. É impossível fazer isso em posturas de flexão à frente, como Paschimottanasana. Mesmo quando uso altura sob os glúteos. Além disso, sinto que tenho uma inclinação pélvica posterior e talvez isso torne ainda mais difícil. Poderias dar-me algumas dicas para corrigir esse problema?

Este é uma questão comum e que vejo muito, assim como ter uma inclinação pélvica posterior é bastante frequente.

É excelente usar altura sob os glúteo, mas se não sentiu diferença então eu sugeriria usar ainda mais altura e mover os ísqueos  para os lados e para trás.

Outro ponto é que muitas vezes os alunos descem os calcanhares em Adho Mukha Svanasana prematuramente.

Em Adho Mukha Svanasana dobre os joelhos, levante os calcanhares e levante os ísqueos até o tecto para colocar o sacro ‘para dentro’ do corpo. Espero que isso lhe dê algum acesso a uma inclinação pélvica mais anterior.

 

EN

“I feel like I am unable to take my lower spine – lumbar and sacrum area into the body in Adho Mukha Svanasana, it’s impossible to take into the body in forward bends like Paschimottanasana. Even when I use height under my buttocks. Also, I feel I have a posterior pelvic tilt and maybe that makes it even harder. Could you please give me some tips to correct this issue?”

This is a common feeling for students to experience. So too is having a posterior pelvic tilt.

I am glad to hear you attempted height under the buttocks in the sitting postures, if you did not feel a difference then I would suggest more height and taking the time to move the sit bones wide apart, and back.

Often students descend the heels in Adho Mukha Svanasana prematurely.

In Adho Mukha Svanasana bend your knees, lift your heels and raise the sitting bones up to the ceiling to get the sacrum into the body. You can also attempt this with your hands on the chair to get more access to the spine.

I hope this gives you some access to a more anterior pelvic tilt.

 

Meus queridos isquiotibiais

10 de Novembro, 2020

 

Podes sugerir algumas posturas que trabalhem isquiotibiais duros.Nas flexões à frente acabo por dobrar os joelhos e não trabalho as rótulas dos joelhos?

Precisamos trabalhar estes músculos na nossa prática diariamente para ver resultados e, mesmo assim, podemos ir ao tapete e sentir que eles estão tão apertados como sempre.

P.ex, para mim, sei que há uns dias por mês em que os meus músculos e articulações têm uma rigidez adicional, e sim, também sinto os isquiotibiais nesses dias.

Seja atencioso(a) com o que mais pode estar a ocorrer no seu corpo e tome cuidado para não exagerar o alongamento quando o seu corpo precisa é de descansar.

Ainda assim, a prática diária de asanas que alongam os isquiotibiais incluem … mas não se limitam a:

  • Adho Mukha Svanasana
  • Uttanasana/Ardha Uttanasana
  • Parsvotanasna

A questão é: como praticas esses ásanas? Usa um suporte para que possas esticar totalmente os joelhos (sem fazer hiperextensão”. Não tentes fazer essas posturas como o Iyengar faz no livro LOY.

Em vez disso

FAZ Adho mukha svanasana com as mãos numa cadeira.
FAZ Parsvotanasana com as mãos na parede ou numa cadeira
FAZ Uttanasana com as mãos nas canelas e costas concavas ou mãos na parede

Usa os suporte necessários para que possas esticar totalmente os joelhos (sem hiperextensão) e a coluna.

E aqui tens uma prática para trabalhares os músculos isquiotibiais.

Antes mesmo de irmos ao tapete, os nossos pensamentos são muitas vezes algo como…
“Tenho que praticar”,
“O meu corpo é tão duro que devo praticar o meu yoga” ou
“Se eu não praticar, nunca melhorarei”
Esse tipo de pensamento soa como um pai a tentar obrigar uma criança a fazer os trabalhos de casa ou  a limpar o seu quarto.
Onde está o benefício, a recompensa e a motivação?
Hoje partilho uma maneira simples e eficaz de nos motivarmos para praticar que vai atender às necessidades profundas e ajudar a vermos o momento da nossa pr]atica com outros olhos.
Primeiro tenho uma confissão para fazer. Eu disse algo nesse sentido para mim mesma muitas vezes. “Eu tenho que praticar” seguido por um som de chicote.
Remova o ‘tem que’ da frase e substitua-o por ‘querer’ e já estará alguns centímetros mais perto de ir ao tapete.

Mas ainda não acabei!

Aqui está a minha estratégia de 2 partes para ajudá-lo a identificar por que quer praticar, entender como a prática pode atender a uma necessidade profunda e instantaneamente sentir-se motivado a praticar.
1. Como se sente depois da prática? Liste como se sente depois de praticar. Acho que pode ter algumas das seguintes palavras na sua lista. Relaxado, energizado, equilibrado, fisicamente forte, mentalmente claro, ágil etc.
2. Cada um dos sentimentos está ligado directamente à necessidade que cada um tem. Deixe-me explicar. Se  se sente relaxado depois do yoga é porque tem a necessidade de relaxar. Se se sente forte no seu corpo, isso é porque tem uma necessidade de conectividade muscular no seu corpo.
Quando nos conectamos ao porquê de praticarmos yoga, o que esperamos ganhar com isso (os benefícios) e como nos sentimos depois de praticar é muito mais fácil estender o tapete e praticar em vez de nos chicotear-mos com ‘temos de’ e ‘devemos’
Disciplina não precisa ser uma palavra dura, encontre a sua disciplina através de um profundo desejo de bem-estar.

Isto não é uma simulação

13 de Agosto, 2020

Muitos de nós podem ser perdoados por terem pensado que essa coisa da vida era muito fácil. As últimas décadas foram boas para nós. Economias em expansão. Variadas e impactantes tecnologias.

Estávamos a viver, como um académico disse após a queda do comunismo, o fim da história. Todos aqueles momentos trágicos e sombrios do passado… pertenciam ao passado.

Não há nada como uma pandemia global – estranhamente semelhante às pragas do mundo antigo – para nos rebentar com essa noção. E como não quando ouvimos que Nova York, a jóia da coroa deste mundo moderno e aconchegante em que vivemos como crianças mimadas, teve que montar necrotérios temporários para lidar com as pilhas crescentes de cadáveres. Nada como ouvir que milhões de pessoas estão no desemprego ou em empregos cada vez mais precários para nos acordar para a realidade: esta pandemia não é uma simulação.

Não. Isto é a vida real. É para isso que temos treinado e deveriamos ter treinado. “Nenhum papel é tão adequado à filosofia como aquele em que você está agora”, disse Marco Aurélio… quando o império de Roma parou e a praga assolou sobre a cidade. “A vida é uma guerra e uma jornada longe de casa”, disse ele, enquanto lutava, por anos a fio, contra invasores nas fronteiras do seu império.

Estamos a viver a história, assim como Marcus e todos os estoicos estavam. Isto não é uma simulação. É hora de trabalhar. É hora de incorporar a filosofia e o yoga de que falamos. É hora de reunir essas virtudes críticas de Coragem, Temperança, Justiça e Sabedoria. O nosso modus operandi tem de mudar. Não podemos simplesmente adaptar e fazer tudo como antes, apenas de forma diferente. Temos realmente de mudar a nossa bússula. E Querer mais: não mais do mesmo, mas mais da Liberdade do Ser e não da do Ter.

Isso não será fácil, mas é o que está na nossa frente.

Estás com medo? Tudo bem.  Mas isso é em parte porque estás bem no olho do furacão —estás a olhar para tudo isto demasiado perto, com as contas para pagar, com os filhos a precisar, com os empregos a deixarem de o ser. Se pudermos diminuir o zoom, só um pouco, teremos alguma perspectiva. Somos lembrados de que isto também passará, que sobreviveremos.

Hemingway abre O Sol Também se levanta – ambientado após uma guerra terrível, que foi seguida por uma terrível pandemia, com todos os tipos de tragédias individuais comuns pelo meio – com um dos versos mais bonitos da Bíblia, um que soa como se pudesse ter sido escrito por Marco Aurélio:

“Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece. Nasce o sol, e o sol se põe, e apressa-se e volta ao seu lugar de onde nasceu…”

Todos os dias desde que esta crise começou, o sol nasceu e pôs-se. A lua saiu e brilhou. A relva cresceu. Bebés nasceram. Pessoas tiveram ideias. Pessoas apaixonaram-se. Isso é tão verdadeiro agora como foi durante a Peste que Marco Aurélio suportou por 15 anos, foi verdade depois, e será verdade sempre.

Temos que encontrar uma maneira de ter algum consolo nisso, para continuarmos em nós mesmos. Vamos superar isto, como sempre passamos por tempos difíceis. Haverá um novo normal. Vamos adaptar e ajustar.

A vida permanecerá para sempre, então não há razão para ficar com raiva ou com medo ou com amarguras. Apenas aguenta aí. Faz o melhor que puderes nos lugares certos com as pessoas certas. Não sejas como foste antes da pandemia, sê melhor.

P. S.:

Não tens de passar por tudo sozinho. A jornada de yoga de um praticante pode ser muito solitária, porvezes; sim temos que nos esforçar no auto-estudo (svadhyaya), mas em nenhum lugar diz que temos que fazer isso isoladamente. E acho que já temos confinamentos que cheguem nas nossas vidas por estes dias.

Um shala é um lugar de saúde física, mental e espiritual. E saber isso, ter isso como missão manteve-me firme nos meses em que tivemos de encerrar. Porque eu teria de prestar contas no momento em que decidisse reabrir. Prestar contas a quem? A quem viesse praticar no shala. Internamente, eu tinha uma responsabilidade para com os praticantes e não ia desapontá-los. A única forma de o fazer era manter-me à tona – praticando. Isso manteve-me responsável, e ainda mais empenhada na prática e nos compromissos que assumi quando o abri. Yoga é estar presente. Inteiramente. Sem adaptações, sem simulações. Yoga é presença integral.

 

(ENGLISH)

Many of us can be forgiven for having thought that this life thing was pretty easy. The last few decades have been pretty good to us. Booming economies. Great technology. Our wars have had limited impact on our populace and our recessions have been short.

We were living, as one academic said after the fall of communism, after the end of history. All those tragic, bleak moments of the past…were past us.

There’s nothing like a global pandemic—one eerily similar to the plagues of the ancient world—to disabuse us of that notion. Nothing brings that home quite like hearing that New York City, the crown jewel of this cushy, modern world, had to set up temporary morgues to handle the growing piles of bodies. Nothing like hearing that millions of people are out of work to make it clear that this is not a drill.

No. This is real life. This is what we have been—and should have been—training for. “No role is so well-suited to philosophy as the one you happen to be in right now,” Marcus Aurelius said…as Rome’s empire ground to a halt and the plague descended upon the city. “Life is warfare and a journey far from home,” he said, as he battled invaders at the frontier for years on end.

We are living through history, just as Marcus was and all the Stoics were. This is not a drill. It’s time to put on our big girl pants and get serious. Get to work. It’s time to embody the philosophy we have talked about. It’s time to muster those critical virtues of Courage, Temperance, Justice, and Wisdom.

This won’t be easy, but it’s what’s in front of us.

NOTE:

You don’t have to go through it all by yourself. A practitioner’s yoga journey can be very lonely at times; yes we have to strive in self-study (svadhyaya), but nowhere says we have to do this in isolation. And I think we’ve got enough lockdowns in our lives these days.

A shala is a place of physical, mental and spiritual health. And knowing that, having that as a mission kept me going in the months we had to shut down. Because I’d have to be held accountable the moment I decided to reopen. Accountable to whom? To those who came to practice in the shala. Internally, I had a responsibility to the practitioners and was not going to disappoint them. The only way to do that was to stay afloat by practicing. This kept me responsible, and even more committed to the practice and commitments I made when I opened it. Yoga is being there. Entirely. No adaptations, no simulations. Yoga is integral presence.

Perseverança e fadiga

4 de Agosto, 2020

 

Desde o início do confinamento, recebi muitas mensagens de pessoas com dificuldade em acompanhar tudo o que se está a passar e em manter o controlo das suas ansiedades.  Para alguns, parece que é simplesmente demasiado para se lidar. Mas, é claro, “a imensidão de tudo o que se passou” é demais para qualquer um, especialmente por si mesmo.  Por isso, não precisas sentir nenhum stress adicional ou culpa por te sentires sobrecarregado, mesmo quando possas estar a entrar em férias. A julgar por algumas das mensagens, parece-me que a fadiga da vigilância está a tornar-se um problema real, acrescentada da fadiga digital.  Ou seja, talvez sintas que as coisas têm sido stressantes e desafiadoras por tanto tempo que já não podes mais manter a tua vigilância sobre distanciamento social, lavagem das mãos, uso de máscaras etc?  Afinal, só temos quantidades finitas de energia nas nossas reservas.  Ou talvez sintas que, porque nem tu nem ninguém no teu círculo imediato foi afectado pelo vírus durante todo esse tempo, toda a confusão parece exagerada?  Ou seja, a tua resposta pessoal de fuga ou luta está a enfraquecer, e com ela murcham a tua energia e senso de urgência.

Seja qual for o teu caso, pode ser reconfortante saber que é completamente natural ficar cansado.  Não há necessidade de colocar camadas extra de sofrimento, julgando-se por estar cansado.  Isso não mostra que és fraco; isso mostra que és humano.  Lembra-te: a prática da atenção plena não deve erradicar toda a nossa dor, mas sim libertar-nos do sofrimento que infligimos a nós mesmos e aos outros como resposta a essa dor inevitável.   Uma vez que podemos aceitar isso, a próxima pergunta torna-se muito mais útil e saudável: o que posso fazer para me sustentar (e aqueles ao meu redor), dado o quão cansado eu inevitavelmente me tornei?

Em tempos de dificuldade e fadiga, pode-se recorrer ao poderoso conceito de viriya (perseverança).  Como uma das chamadas “seis perfeições”, viriya é um conceito rico.  Chama a nossa atenção para a energia, determinação e diligência envolvidas no cultivo do bem-estar.  Ou seja, lembra-nos que o engajamento em actividades saudáveis requer esforço (ou seja, é trabalho), mas que esse esforço é revigorante porque é autêntico e fiel à nossa natureza.  Dessa forma, viriya ajuda-nos a entender a diferença entre preguiça e descanso, entre dormitar e meditar, entre desistir e se reagrupar. Então, o que isso significa para nós nestes tempos desafiadores e exaustivos? Bem, primeiro, significa que podemos e devemos ser gentis connosco mesmos quando nos sentimos cansados e exaustos, quando sentimos vontade de desistir.  É completamente compreensível e natural que possamos sentir-nos assim. Em segundo lugar, significa que devemos fazer uso dessa valiosa visão sobre o nosso estado de esgotamento como uma oportunidade para reflectir sobre o que podemos fazer para cuidar de nós mesmos (e dos outros), dado que as nossas energias e estão em baixa. Terceiro, significa que devemos proteger-nos contra cair nos braços da preguiça e desleixo (tanto físicos como mentais), que são falsos amigos de compaixão.  Nota que dando tão pouco, recebemos pouco em troca.  Podemos querer acreditar que cair no sofá à frente da TV com uma cerveja far-nosá sentir mais capazes de enfrentar o mundo, mas não, pelo menos não por muito tempo. Em quarto lugar, isso não significa que não devemos relaxar – é claro que devemos!  No entanto, pode significar que as actividades de preguiça e desleixo (às vezes partes muito bem-vindas do nosso dia) não devem tornar-se um padrão ou rotina, apesar de quão tentadoras elas podem ser durante os momentos de fadiga.  É improvável que sejam a resposta certa para a pergunta: o que posso fazer para me sustentar (e aqueles ao meu redor), dado o quão cansado eu inevitavelmente me tornei?  Em vez disso, a resposta certa provavelmente envolverá algum esforço, mas deve ser um esforço que é adequadamente direccionado para o teu bem-estar.  Considera a hipótese de teres mais energia do que pensas, mas que ela simplesmente está obscurecida pelas complexidades emocionais e preocupações dos nossos tempos desafiadores. Assim, a tua resposta à pergunta (o que posso fazer para sustentar a mim e aos outros?) pode ser mais esforçada.  Por exemplo, podes ter desistido da tua meditação regular de 20 minutos sentado todas as noites depois de algumas semanas em troca de uma taça extra de vinho?  Ou talvez as tuas tentativas de fazer uso da caminhada até ao metro para um exercício de atenção plena foram substituídas usando essa caminhada para verificar o teu telefone e ensaiar queixas sobre colegas e amigos dentro da tua cabeça?

Um ponto-chave sobre perseverança (viriya) é que ela não existe para nos esgotar e nos levar além dos nossos limites. Isto não é uma negação trágica e heróica de ti mesmo. Não é um convite para te julgares duramente. Em vez disso, viriya convida-nos a reflectir honestamente sobre as nossas capacidades a cada momento, e fazer o que pudermos nesses momentos para a nossa saúde e  bem-estar. Isso significa que precisamos reconhecer quando cair no sofá é bom para nós e quando é simplesmente preguiça rotineira obscurecendo o que poderíamos fazer melhor por nós mesmos (dado os níveis de energia que temos). Esse tipo de honestidade connosco pode ser um desafio em si mesmo, mas aceitá-lo é uma maneira de cuidar de nós mesmos com integridade e sabedoria.

(English)

I have received many messages from people struggling to keep track of things, and then also struggling to keep track of their anxieties and stress about those things.  For some, the immensity of everything feels like it is too much to cope with.

But, of course, ‘the immensity of everything’ IS too much for anyone to cope with, especially on their own.  You need feel no additional stress or guilt about feeling overwhelmed.

Judging by some of your messages, it seems to me that vigilance fatigue is becoming a real issue.  That is, perhaps you feel that things have been stressful and challenging for so long that you can no longer maintain your vigilance about social distancing, hand washing, mask wearing etc?  After all, we only having finite amounts of energy in our reserves.  Or perhaps you feel that, because neither you nor anyone in your immediate circle has been afflicted by the virus itself during this whole time, all of the fuss seems exaggerated or overblown?  That is, your personal fight-flight response is shutting down, and with it withers your energy and sense of urgency.

Whatever the case for you, it may be reassuring to know that it is completely natural to get tired.  As we’ve seen so many times in our course, there is no need to layer on extra suffering by judging yourself for being tired.  It doesn’t show that you’re weak; it shows that you’re human.  Remember, the practice of mindfulness is not supposed to eradicate all our pain, but rather to free us from the suffering that we inflict on ourselves and others in response to that unavoidable pain.   Once we can accept that, the next question becomes much more helpful and healthy: what can I do to support myself (and those around me), given how tired I have inevitably become?

At times of difficulty and fatigue, one might turn to the powerful concept of viriya (perseverance).  So, I’d like to spend a moment on it today, if you’ll indulge me.

As one of the so-called ‘six perfections,’ viriya is a rich concept.  It calls our attention to the energy, resolve, and diligence involved in the cultivation of well-being.  That is, it reminds us that engaging in wholesome, healthy activities takes effort (ie. it’s work), but that such effort is itself invigorating because it is authentic and true to our natures.  In this way, viriya helps us to understand the difference between laziness and rest, between dozing and meditating, between giving up and regrouping.

So, what does this mean for us in these challenging and exhausting times?

Well, first, I think it means that we can and should be gentle with ourselves when we feel tired and exhausted, when we feel like giving up.  It’s completely understandable and natural that we might feel that way at the moment.

Second, it means that we should make use of this valuable insight into our depleted state of being as an occasion to reflect on what we can do to look after ourselves (and others), given that our energies and spirits are low.

Third, it means that we should guard against lapsing into the arms of the tempting but false friends of compassion (sloth and laziness), which entice us into their embrace by allowing us a period of effortlessness.  However, by giving so little, we get little in return.  We might want to believe that slumping onto the couch in front of the TV with a beer will make us feel better able to face the world, but the chances are it will not, at least not for long.  We might want to believe that not bothering to find our face mask before leaving the house will feel liberating and light, but the chances are it will not.

Fourth, this does not mean that we should not relax – of course we should!  However, it might mean that the activities of sloth and laziness (sometimes very welcome parts of our day) should not become our default or routine, despite how tempting they might be during times of fatigue.  They are unlikely to be the right answer to the question: what can I do to support myself (and those around me), given how tired I have inevitably become? Instead, the right answer is likely to involve some effort, but it should be effort that is properly directed towards your well-being.  If you know your energy levels are low, this might mean some very small things.

Of course, if your insight into yourself reveals that you have more energy resources than you thought, but that they have simply been obscured by the emotional complexities and concerns of our challenging times, you might also consider whether your answer to the question (what can I do to support myself and others?) can be more effortful.  For instance, you might have given up your regular 30 minute sitting meditation each evening after a few weeks in exchange for an extra glass of wine?  Or perhaps your attempts to make use of the walk to the bus-stop for a mindfulness exercise have been replaced using that walk to check your phone and rehearse your grievances about your colleagues in your head?  If you have the energy, how would it be if you reverted to a 30 minute sit or a mindful walk?

A key point here with viriya is that it doesn’t call on us to deplete ourselves by pushing ourselves beyond our limits.  This is not a tragic-heroic denial of self.  It is not an invitation to judge ourselves harshly.  Rather, viriya calls on us to reflect honestly on our capacities and abilities at any given moment, and to do what we can in those moments to spend them in support of wholesomeness and well-being.  This means that we need to recognise when flopping onto the couch is good for us and when it’s simply routined laziness obscuring what we might better do for ourselves (given the energy levels we have).  This kind of honesty with ourselves can be challenging in itself, but accepting it is a way to look after ourselves with integrity and wisdom.

 

 

Medo e invertidas

24 de Julho, 2020

 

Compreensão e repetição são as soluções definitivas para qualquer medo

 

“Filipa. Sirsasana no meio da sala”. Até hoje recordo o terror com que ouvi esta frase da minha professora de Iyengar yoga, 1 ano depois de andar a tentar subir as pernas para a parede e a fazer a postura apenas com esse suporte.

Já não me lembro se caí ou não dessa primeira vez em que me afastei da parede. Mas lembro-me de duas coisas muito claramente: 1) as reações mentais nos segundos em que caminhei da parede para o meio da sala (e já lá vão 10 anos); 2) de que todo esse processo foi preciso para que hoje eu consiga subir, estar e ensinar essa postura com toda a segurança e compreensão sobre a interacção mente-corpo, mente-ásana.

O medo é um produto da mente que é manifesto e revelado no ásana. Em muitas posturas, mas no sirsasana e em invertidas sobre a cabeça em particular. É uma postura que toca em muitas barreiras em nós. É o início de uma viagem.

Já escrevi algumas vezes sobre o medo na prática de yoga e na forma como podemos lidar com ele. Uma coisa comum em todos os medos é que ele só surge quando a nossa compreensão da relação que nos suscita medo não é completa. Tenho medo de uma postura de yoga quando ainda não compreendo a minha relação com ela, tenho medo do amor quando ainda não o compreendo, tenho medo de uma relação inesperada quando ainda não a compreendo. Essa relação não é só entre nós e a natureza , entre nós e aquilo que possuímos, entre nós e ideias. Se essa relação não é compreendida inteiramente, há medo. Porque viver é relação.

Ser é estar em relação. Na prática, não fazemos posturas, somos posturas. Fundimo-nos com a postura. O medo só existe em relação a algo, não é uma coisa abstracta.

Como é que nos libertamos do medo?

Como em qualquer relação, aquilo que é conquistado tem de voltar a sê-lo várias vezes. Nenhum problema é vencido de uma só vez; ele pode ser compreendido mas não conquistado. Conquistar só leva a mais resistência, mais confusão, agitação e a mais medo. Resistir, dominar, guerrear com uma postura (no tapete) ou com um problema (na vida) só vai criar mais conflito. Se pudermos explorar o medo, entrar nele passo a passo, explorar o seu conteúdo, então esse medo vai passar de vez.

Na vida, acima de tudo, temos medo de não virmos a ser aquilo que projectámos ou sonhámos. Quando há medo de não virmos a ser, do desconhecido (como uma invertida), da morte, será que podemos vencer esse medo pela determinação? Esta fará parte do processo, sem dúvida. Mas é preciso perceber que a repressão, a sublimação ou substituição só vão gerar mais resistência. O medo não se vence pela resistência ou defesa, nem nos libertamos dele através de uma busca por uma resposta ou explicação verbal.

De que é que temos medo? Temos realmente medo da invertida ou das ideias que associamos a essa postura? Temos medo do facto ou da ideia? Temos medo de uma coisa tal como ela é ou daquilo que pensamos que essa coisa é? O facto é uma coisa, a ideia acerca do facto é outra. Temos de perceber se temos medo da palavra, do facto ou da ideia.

Só temos medo quando não existe comunhão com aquilo que receamos. Se tenho medo da solidão, p.ex., é porque não estive nunca em completa comunhão com essa solidão. No momento em que nos abrimos à compreensão do que é a solidão, então, podemos compreender o que ela é.

É a minha opinião, a minha ideia, a minha experiência, o meu conhecimento acerca do facto que gera o medo. Portanto, é a mente que cria o medo, sendo a mente o processo de pensar. Pensamento é energia e verbalização. Ficamos libertos do medo apenas quando há auto-conhecimento, quando nos libertamos desse processo de atribuição de nomes, de projecção de símbolos, de imagens. O autoconhecimento é o início da sabedoria e de uma vida sem medo.

Veja aqui um tutorial escrito sobre como fazer esta postura (depois de já se ter treinado muito na parede):

The word ‘hurt’ opens up a can of worms.
Does ‘hurt’ mean pain, and if so to what degree.
Does ‘hurt’ mean discomfort?
Does ‘hurt’ mean ‘this is bad and I am going to do damage’

What ‘hurt’ means for one person is different for another. And that is a tricky task for the teacher until we understand what ‘hurt’ mens to the student.

I have never understood Yoga to be pleasant and easy. I am OK with experiencing discomfort even pain when practicing, but this comes with a sharp radar for understnading if the pain is good or bad.

We learn this in yoga, to dicern if it is something we should sustain or surrender.This is also what we are learning in life, right?How we respond in the asana helps us to better respond to challenges in life.

So to conclude, if a student says ‘it hurts’ or if you are in an asana and feel pain I ask myself the following questions.

  1. Is this good pain or bad pain. Good pain is usually a stretch, release and while it is intense it brings relief afterwards. Bad pain is usually sharp, acute and or felt in the joints.
  2. If it is good pain obsserve it, notice it, sustain it and then release and again observe, what can you learn from it.
  3. If it’s bad pain ask your teacher or self what can do to shift this, perhaps a small action is required to shift it or perhaps you need to come out and not do the poses.


Only the student can know the answers and that is part of the journey as a practitioner. Learning to listen inwards and respond with skilful action.

Let me finish with ‘Ahimsa’ Non violence, one of the five yamas to observe and practice.

Never stray from the yamas and niyamas and if in doubt about something return to them and they will guide you.