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Asana, corpo e conexão

1 de Janeiro, 2023

“That which is hard in your body is of the nature of the Earth, and it supports the other organs. Hair, skin, nerve, flesh and bones are the miniature forms of the different aspects of Earth. Sound, touch, form, taste, and smell are the qualities of Earth.”  — M.R. Jambunathan, The Yoga Body (1941)

Conectar-se com o corpo é conectar-se com a Terra, pois o nosso corpo é apenas uma extensão deste planeta. Assim, enquanto caminhamos numa floresta ou praticamos asanas no nosso tapete possam parecer muito diferentes, ambos honram o mesmo espírito universal. Ambas trazem-nos de volta ao contacto com o que é a nossa natureza essencial.

É como John O’Donohue escreveu uma vez: “Os nossos corpos sabem que pertencem; são as nossas mentes que tornam as nossas vidas tão sem-abrigo. Não deixe que a sua mente o leve para longe de casa. Só há uma terra e só tens um corpo. Portanto, agora não é o momento para abandonar a sua prática de āsana, mas pode ser o momento perfeito para reavaliar a sua abordagem.

Porque estas posturas são mais do que simplesmente anatomia, abrangendo mais do que apenas músculos e ossos. Āsana é um canal para a natureza, uma expressão da força criativa que reside dentro de nós e em todo o lado. E a nossa prática, uma manifestação física de uma fonte universal.

“A Terra é a nossa origem e destino. Os ritmos antigos da Terra instigaram-se nos ritmos do coração humano. A terra não está fora de nós; é dentro: a argila de onde a árvore do corpo cresce.”

 

Não é fascinante considerar a natureza paradoxal do asana (postura de yoga) como uma prática de bem-estar espiritual? Através do corpo, no corpo, e usando o corpo, procuramos algo além do corpo.

Recebi recentemente um e-mail de um novo aluno que escreveu:

“Estou ansioso por aulas que me possam lembrar do que se trata isso de praticar yoga…”

Já te envolveste tanto na prática de yoga que perdeste de vista o porquê? Claro que sim. Este ano reflecti muito e, na minha prática pessoal, houve muitos dias em que achei que não era importante estar 2 h a praticar asana e abdicar de 1 dessas 2 horas para estar com um amigo, trabalhar noutras coisas em serviço de outros, estar com os que me são próximos, estar na natureza. Não conheço nenhum sábio que dedicasse 2h do seu dia à prática de asana. E é sabedoria que quero; não dizer que consigo fazer uma postura X ou Y. É preciso ter claro o porquê de se fazer o que quer que seja.

A emoção de fazer algo com o corpo que outras pessoas acham impressionante é sempre de curta duração. Mais: muitas vezes prende-nos na mentalidade habitual durante esse tempo de esforço, de autocrítica, de nunca se sentir bem o suficiente quando se trata de yoga.

É esse o problema com o desempenho em Asana. Embora conseguir posturas complexas possa ser um “sucesso” positivo, gratificante e de confiança, é sempre temporário. O corpo – e, portanto, a nossa capacidade – está sempre a mudar. Além disso, sempre que prendemos a nossa felicidade a algo externo para nós, mesmo que seja um asana, o nosso contentamento fica condicionado a essa circunstância ou experiência.

Comecei a praticar yoga a sério porque queria experimentar um tipo de felicidade que não dependia de nada fora de mim. Como a minha prática tem evoluído ao longo dos anos de ser motivada por postura até ao que é hoje, motivada pelo bem-estar incondicional é o que sempre foi para mim.

Já não pratico asana para conseguir uma postura ou apenas por uma questão de aptidão física. A minha prática postural agora é principalmente sobre cultivar uma sensação encarnada de bem-estar que vai muito além do corpo. Trata-se de restaurar e nutrir a minha ligação com aquele lugar de felicidade independente que vive dentro do corpo e ainda transcende o corpo.

Yoga e dores de cabeça

4 de Setembro, 2022

Arte de Peter Max

 

As dores de cabeça de tensão são, de facto, as dores de cabeça mais comuns que as pessoas experimentam, embora as causas exactas ainda não sejam totalmente claras. De acordo com o site da Clínica Mayo:

“Uma dor de cabeça de tensão é geralmente uma dor difusa, leve a moderada na sua cabeça que é muitas vezes descrita como uma banda apertada à volta da sua cabeça.”

Muito encorajador, afirma o site, “gerir uma dor de cabeça de tensão é muitas vezes um equilíbrio entre promover hábitos saudáveis, encontrar tratamentos não-fármacos eficazes e usar medicamentos adequadamente”. Por que acho isto encorajador? Fico sempre entusiasmado quando a medicina ocidental moderna descobre que o estilo de vida e as terapias não farmacêuticas são a melhor primeira escolha para abordar uma preocupação de saúde. Bravo, bravo!

É importante, antes de discutirmos opções de yoga para dores de cabeça de tensão (TH), ser claro sobre o que constitui uma dor de cabeça de tensão, e como é diferente das enxaquecas, por exemplo. De acordo com a Clínica Mayo, uma dor de cabeça de tensão normalmente tem os seguintes sintomas:

“dor de cabeça maçante e dolorosa aperto ou pressão na testa e nos lados e na parte de trás da cabeça
ternura no couro cabeludo, pescoço e ombros músculos Tenho a certeza que alguns de vós se identificam com isto e estão provavelmente a massajar essas áreas neste momento! A medicina ocidental moderna divide as dores de cabeça de tensão em duas categorias, as que são episódicas e as que são crónicas. Uma dor de cabeça de tensão episódica é uma que dura de 30 minutos a uma semana (ou mais). Uma dor de cabeça de tensão crónica é aquela que se experimenta pelo menos 15 dias por mês durante pelo menos três meses”.

As dores de cabeça de tensão podem ser difíceis de distinguir das dores de cabeça menos comuns da enxaqueca, podendo mesmo ocorrer em pessoas que também sofrem de enxaquecas. A Clínica Mayo aponta algumas características distintivas úteis entre os dois:

“Ao contrário de algumas formas de enxaqueca, a dor de cabeça de tensão geralmente não está associada a distúrbios visuais, náuseas ou vómitos. Embora a atividade física normalmente agrava a dor de enxaqueca, não agrava a dor de cabeça da tensão. Uma sensibilidade aumentada à luz ou ao som pode ocorrer com uma dor de cabeça de tensão, mas estes não são sintomas comuns.”

O facto de a atividade física não agravar geralmente as dores de cabeça de tensão é útil para saber quando está a considerar se deve ou não fazer uma prática de asana quando já tem dor de cabeça. E é uma forma de testar a sua dor de cabeça particular para ver se é tensão ou enxaqueca.

Ainda não é claro qual é a causa subjacente a estas dores de cabeça comuns. Alguns especialistas ligam-nas a contrações musculares em qualquer lugar acima dos ombros que podem ser encorajadas por emoções, tensão ou stress, embora a pesquisa não suporte a contração muscular como a causa. As teorias mais comuns sugerem que as pessoas com dores de cabeça de tensão têm uma sensibilidade elevada à dor e ao stress. E relacionado com isso, o stress acaba por ser o principal gatilho de dores de cabeça de tensão. Estatisticamente, de acordo com um estudo, 90% das mulheres e 70% dos homens sofrem de dores de cabeça de tensão em algum momento da sua vida, com a incidência máxima em pessoas na casa dos 40 anos.

O gang da Clínica Mayo desiludiu-me um pouco. Após as suas declarações iniciais sobre o tratamento não-farmacológico, lançam-se em escolhas de medicação antes de discutir estilo de vida e terapias alternativas – estiveram todos tão perto! Mas quando finalmente chegam às opções não farmacêuticas, a gestão do stress e a melhor postura são duas das três principais recomendações. Já discutimos isso em muitos outros posts, por isso, por esta altura, já todos percebemos que o yoga deve ser incluído para abordar estas opções. E o yoga recebe o aceno como uma possível opção de tratamento preventivo para dores de cabeça de tensão.

Presença, Pausa, Possibilidade

4 de Setembro, 2022

 

A ideia de que os seres humanos são criaturas auto-relacionais – que podemos saber o que se passa nas nossas mentes – pode parecer óbvia, simples e talvez básica para o que sabemos e experimentamos ser verdade no yoga. No entanto, é uma noção extraordinária quando se considera as suas implicações.

Os antropólogos diriam que somos observadores participantes. Participamos nas nossas vidas interiores e exteriores, e também podemos ficar para trás e observar-nos desde uma perspetiva externa.

Acredito que esta é uma das principais formas de transformação através do yoga. À medida que praticamos, criamos distância suficiente dos nossos estados mentais e pensamentos para podermos vê-los e conhecê-los. Como resultado de nos apercebermos dos nossos pensamentos e humores, ganhamos alguma liberdade em relação a eles. Nesta liberdade reside a possibilidade de uma mudança de perspectiva.

Num retiro que ensinei há uns anos, uma participante partilhou como isto expressou algo que ela tinha vivido enquanto enfrentava desafios substanciais na saúde. Através da consciência que adquiriu nas suas práticas de meditação e respiração, reconheceu que a sua habitual reactividade já não lhe servia e, acima de tudo, percebeu que tinha escolha. Ela não tinha de ser o seu eu reactivo habitual. Podia praticar ser mais aceitante e paciente.

Através da presença e pausa, surgiu a possibilidade de uma resposta diferente, que a serviu melhor.

Esta é uma capacidade que desenvolvemos no yoga. Cultivamos a presença da mente para parar e lembrar que esta mudança de perspectiva está disponível para nós, e depois para considerar e dar espaço para outras possibilidades.

Aqui está uma maneira de experimentar este processo através da consciência da respiração:

1- Presença: A respiração acontece agora. Estar consciente da sua respiração traz-te o presente, imediatamente. Não podes preocupar-te com o futuro ou com o que ficou no passado quando a tua atenção está na respiração.

2- Pausa: Consciencializar a respiração permite-te recuar e ter um momento antes de reagir quando um condutor rude te passa ou o teu filho não limpa o quarto, novamente. Parar para respirar cria um espaço onde ganhas maior controlo na forma como respondes a situações.

3- Possibilidade: Na pausa existe a possibilidade de não reagir de forma habitual e, em vez disso, responder de forma mais ponderada e intencional.

Presença, pausa e possibilidade é a trajectória que viajamos vezes sem conta na jornada para nos tornarmos mais do que queremos ser.

Talvez seja a força que constrói nas pernas, ou a familiaridade da forma, ou a robustez da própria forma – ou talvez todas essas coisas – que fazem de Trikonasana uma postura a que volto vezes sem conta, de várias formas.

Entrar neste ásana é como partir para uma caminhada num trilho familiar. Conheço bem o terreno. Também sei que a minha experiência será diferente todas as vezes, porque nunca mais sou a mesma. Já pratiquei esta postura mais de mil vezes, com certeza. Cada vez é única se estiver a prestar atenção e cada vez me tem sabido melhor.

Afastando os meus pés, fico firmemente no triângulo formado pelas minhas pernas e pela terra enquanto me preparo. Eu pouso os meus pés, rodo as pernas, de músculo  suavemente firme até aos ossos. Respirando, a solidez das minhas pernas e pés  suporta-se a levantar e a abrir o meu peito flutuantemente. Respirando, alongo o meu torso sobre a perna para tomar a forma do asana.

Não importa o quão longe a minha mão alcança, estou principalmente preocupada com o trabalho mais profundo de organizar a minha pélvis, pernas, tronco e coluna vertebral. A expressão da postura através da periferia dos pulsos, mãos, pescoço e cabeça vem mais tarde.

Danço com as forças complementares contrárias em jogo no asana: estabilidade e liberdade, estrutura e espaço, envolvimento e extensão.

Observo como a ligação à terra do corpo inferior permite uma maior liberdade no torso, o que, consequentemente, proporciona mais espaço para a coluna vertebral se alongar, o abdómen rodar, e o peito  expandir-se e ampliar.

À medida que saio da postura, a energia no meu corpo inferior, a vida ao longo do comprimento da minha coluna vertebral e a abertura no meu peito continuam a ressoar. Assim como as suas impressões mentais – maior presença da mente, uma sensação de auto-confiança fundamentada, compostura e clareza. Estou reorganizada para melhor.

É um lembrete de como trabalhar com o corpo – mesmo por apenas alguns minutos – pode afetar poderosamente a mente e, por sua vez, impactar a forma como aparecemos para nós mesmos e para os outros.

Respirar fácil

1 de Março, 2022

 

Pranayama é a prática de experimentar o potencial ilimitado do prana, ou força vital, inerente a nós. É menos sobre contorcer a respiração e mais sobre remover as obstruções que bloqueiam o seu fluxo. Nesta perspectiva, pranayama é uma rendição ao incrível reservatório de profundidade e poder já dentro de nós.

Empurrar ou intimidar a respiração para satisfazer as nossas expectativas é uma situação quadrada de buraco redondo. Se forçarmos a respiração para além das suas capacidades, criará tensão. Isto é o oposto do que estamos a tentar alcançar na nossa prática de pranayama. Em Pranayama, aprendemos a confiar na respiração e permitimo-nos respirar. Primeiro, porém, temos de aprender a sair do seu caminho.

Um treino de pranayama começa com atenção. Quando prestamos atenção, tornamo-nos mais sensíveis ao que já existe. Como dizia Simone Weil, não há arma mais eficaz do que a atenção. Aprendemos sobre a verdadeira natureza da nossa respiração observando-a no seu habitat natural. Com o tempo, a atenção evolui para a consciência. A consciência só pode ser cultivada através da atenção. Praticamos cultivar a consciência ao longo de muitos, muitos anos. Não há pressa. Também não há fim porque a consciência é infinita.

A melhor maneira de começar uma prática de pranayama é começar exactamente onde você está. É uma boa ideia apoiar o seu corpo para que se sinta confortável. Para muitos, posições supinadas podem ser úteis para promover o relaxamento. Aqui está um dos meus favoritos: dobre dois cobertores em retângulos compridos que medem o comprimento do seu tronco, pescoço e cabeça. Empilhe-os um em cima do outro, alternando as dobras. Sente-se no chão em frente aos cobertores. Encha uma correia até aproximadamente à largura da anca e deslize-a sobre os joelhos até ao meio das coxas. Aperte-o uma pequena quantidade, apenas para criar a sensação das coxas rolando em direção à linha média. Deite-se sobre os cobertores atrás de si.

Pode começar por percorrer mentalmente o seu corpo físico para perceber onde pode estar a manter a tensão. Preste atenção no seu rosto, relaxando à volta dos olhos e do maxilar. Desça a sua atenção em direção aos pés e deixe ir até onde puder.

Ao cair em si mesmo, vai enfrentar o desconforto. Vai observar-se a tentar planear a sua própria experiência. Nesses momentos, e haverá muitos, pratique o zoom para fora. Reconecte-se com o seu corpo físico com atenção. Concentre-se onde se sente à vontade no seu corpo e respiração. Traga a sua mente para a qualidade do espaço. Onde se sente espaçoso e expansivo? Deixe a sua atenção repousar.

Lentamente e com paciência, a nossa relação com a respiração aprofunda-se. Torna-se uma espécie de amigo. Com o tempo, a nossa prática de pranayama guia-nos para dentro para uma relação mais fácil e expansiva connosco mesmos.

A prática de lembrar

12 de Setembro, 2021

Meditação

Há alturas em que nos sentimos mais desorientados, mais desconectados, mais ‘aéreos’. Alturas em que temos de lidar com o mundo a mudar à nossa volta, com as mudanças nas nossas vidas externas, mas também com mudanças em nós mesmos. E ainda que saibamos, mais ou menos, confiar nesse processo de mudança, às vezes o stress, ou os diferentes tipos de stress que nos afectam, engolem as partes em nós que mais apreciamos.

Por isso, escrevi esta meditação que quero partilhar convosco para nos ajudar a conectar a uma compreensão mais profunda de nós mesmos.

E as nossas memórias podem muito bem ser um instrumento que nos ajude nessa conexão, em particular, memórias e experiências do passado que despertaram em nós criatividade, alegria, leveza. Quando me conecto a essas qualidades dentro de mim, sinto-me em casa. E são a essas qualidades com as quais eu luto para me conectar quando me sinto sobrecarregada ou ansiosa. Focar nas minhas memórias na minha prática de meditação pode ajudar a deixar cair a narrativa no centro do meu stress e abrir espaço para um conhecimento mais profundo de mim mesma.

Meditação

Convido-te, então, a redescobrires-te através da arte da memória. Tira um momento para contemplar uma qualidade dentro de ti que gostarias de experimentar — uma parte de ti que tenhas esquecido. Pensa numa memória que capture a essência dessa qualidade.

Para começar, senta-tee confortavelmente. Olha para um ponto parado e relaxa os olhos. Podes fechá-los, se quiseres. Traz a atenção para tua respiração. Observa a tua respiração corporal e usa a expiração para liberar qualquer tensão que possas notar no teu rosto, ombros ou abdómen. Quando apanhares a tua mente a vaguear, basta trazê-la de volta à observação da respiração.

Agora foca na memória que escolheste. Vê-ee nesse momento. Pinta um quadro vívido na tua mente. O que vês? O que ouves? O que sentes? Tira alguns minutos para reviver a experiência no teu corpo.

Imagina respirar a memória nos teus pulmões — o cheiro, as cores, os sons. Deixa-te preencher por essa memória.

Como é seres tu mesmo naquele momento? Que aspecto de ti despertou? Observa a tua respiração e observa quaisquer mudanças na tua energia.

Fica com esse sentimento o quanto quiseres.

Quando estiveres pronta/o, lentamente aprofunda a respiração. Solta o queixo na direcção do peito. Se os teus olhos estiverem fechados, abre-os suavemente. Toma o teu tempo voltando para o lugar onde estás.

Podes reflectir sobre a experiência na tua meditação — detalhes sobre a memória que se revelaram para ti; como era revisitar o lugar e tempo escolhidos; ou como a tua memória te ligou de volta a ti mesmo/a.

A memória é uma ferramenta que pode ajudar-nos a ver mais claramente através das lentes das nossas experiências passadas. Incorporar a memória na minha prática de meditação enraiza-me em mim mesmo e lembra-me que estou sempre tornar-me mais quem eu realmente sou. Esse processo de redescoberta inspirou uma compreensão muito mais profunda de mim mesma.

Fazer Yoga ou Ser Yoga?

3 de Junho, 2021

 

 

Yoga é uma vivência que mexe com tudo em nós, nada é deixado para trás. Quando realmente assimilei isto percebi que o yoga poderia ser mais do que uma aula que eu fazia uma ou duas vezes por semana para exercitar o meu corpo e acalmar depois de um dia stressante no trabalho. Devagarinho, fui percebendo que o yoga era uma disciplina holística, um conjunto de práticas que poderiam abordar todo o meu ser e que me dava a possibilidade de crescimento e de uma mudança expansiva e efectiva.

Na altura, eu não sabia o que queria fazer com o meu futuro, mas sabia que procurava (e ainda procuro) algo diferente do estilo de vida corporativo (e mais tarde académico) que muitos dos meus colegas estavam a viver.

Como muitos de nós, fui criada numa cultura onde uma vida significativa era muitas vezes equiparada à realização mundana e à riqueza material. Mas ainda em jovem, longe de saber que havia uma coisa chamada yoga, comecei a questionar essa ideia. Muitas das pessoas que eu conhecia que tinham alcançado o sucesso pareciam longe de estar satisfeitas. Senti que por baixo do seu sucesso externo havia um vazio interno e uma sensação de falta.

Eu tinha lido alguns livros sobre filosofia oriental para saber que essas tradições ensinavam, em primeiro lugar, que a única fonte de contentamento verdadeiro e duradouro está dentro de nós mesmos. Mas foi só quando percebi a extensão do que é essa disciplina prática, filosófica e contemplativa, que entendi que o yoga era um caminho para descobrir a realização que não tinha nada a ver com meu status ou realizações no mundo. Isso impulsionou-me a mergulhar profundamente na prática e ensinamentos da tradição do yoga já lá vão 10 anos. E o que descobri foi como estar comigo mesma e viver no mundo com maior propósito e mais alegria.

Claro, não há absolutamente nada de errado em simplesmente “fazer yoga”. Há enormes benefícios físicos e emocionais a serem obtidos ao aparecer e praticar uma ou duas vezes por semana. Com o tempo, porém, podemos tornarmo-nos mais curiosos sobre como o yoga realmente funciona, por que nos sentimos melhor após a prática e como podemos usar o yoga para nos ajudar a lidar de forma mais eficaz com os desafios nas nossas vidas. Também podemos, como no meu caso, sentir um anseio pela transformação interior e crescimento pessoal que o yoga nos pode oferecer. Acredito que é aqui que entra a filosofia e uma prática reflexiva ou contemplativa — “ser yoga” em vez de apenas “fazer yoga”.

A mudança de “fazer yoga” para “ser yoga” é fundamentada não só no que fazemos. Em última análise, trata-se de fazer um esforço para integrar o que aprendemos na prática no resto de nossas vidas. No meu caso, foi a minha prática de meditação e estudos contemplativos, tanto por minha conta quanto com professores dentro de uma linhagem da tradição oral védica, que expandiram o papel que o yoga desempenhou na minha vida. Com o tempo, com a prática regular de meditação, leitura e reflexão sobre esses ensinamentos, tirando (ou ganhando) tempo para estar em silêncio e na natureza tornou-se parte da minha vida diária, a incerteza que eu sentia sobre o meu futuro foi gradualmente substituída por um senso subjacente de autoaceitação e contentamento. Desde então, passei a confiar nessas práticas para ganhar perspectiva, lembrar a preciosidade da vida e permanecer fiel aos meus valores. Eles deram-me um refúgio em tempos difíceis, expandem a minha capacidade de experimentar alegria, e ajudam-me a processar situações na minha vida através das lentes dos princípios do yoga.

Na sua forma tradicional, o yoga é feito para mudar quem somos como seres humanos, nossa relação com nós mesmos e como aparecemos no mundo. Acredito que, com o tempo, uma prática reflexiva de yoga ajuda-nos a sermos seres humanos mais gentis e benevolentes. Dessa forma, ajuda-nos a experimentar maior felicidade interior e realização, e também contribui para o aperfeiçoamento do nosso mundo.

 

Yoga ajuda-me ainda a cumprir os papéis e responsabilidades da minha vida com maior entusiasmo, clareza e perspectiva. A prática ajuda-me a tomar melhores decisões a ficar centrada quando surgem desafios inesperados e a ser uma presença confiável e solidária para as pessoas na minha vida.

 

No seu prefácio no livro Evolving Your Yoga: Ten Principles for Enlightened Practice, Sophie Trudeau escreveu:

“With body awareness, mental focus, breathing exercises, and some fun (yes, yoga can be laughter-inducing!), yoga is an accessible, adaptable, and transformative practice. It’s possible to live a life with less guilt, less anxiety, and less frustration – leaving space for more self-respect, peace, and self-love.”

Esta tem sido realmente a minha experiência e depois de tantos anos, e com muitas desilusões com o mundo do yoga pelo caminho, ainda me vejo completamente apaixonada e grata pela possibilidade de ter o yoga como uma prática que evolui comigo ao longo da vida ajudando-me a viver e concretizar o meu propósito de vida que, esse sim, vai mais além do yoga. O meio não é o fim.

 

 

À vontade, no momento presente, espaçosa, clara, enraizada, centrada, calma, resolvida.

Estas são algumas das palavras que descrevem a minha experiência de estar alinhada na minha prática de ásana ontem – uma prática focada na parte inferior do corpo com torções e posturas sentadas.

Articular experiências benéficas no yoga fortalece.

Portanto, convido-te a explorar o teu próprio processo de alinhamento:

– Como deixas de te sentir fora de sincronia para sincronizado(a)? Como passas da dispersão para o foco?

– Como descreveria o movimento em direcção à unidade e à integralidade que resulta de juntares as peças e partes de ti numa maior harmonia?

– Que palavras transmitem a experiência de te sentires alinhado no teu corpo e ser?

Para começar, talvez seja útil partilhar um pouco sobre minha a experiência. Para mim, alinhamento é um processo que se move na pulsação.

Por um lado, há um aspecto desconstrutivo: eu sinto onde estou a segurar e onde estou a soltar e relaxar. Eu solto a tensão e suavizo um pouco da dureza que limita e bloqueia. Levei anos neste processo e tenho muitos mais pela frente.

Há, então, uma componente edificante: eu ajusto-me e respondo com um movimento intencional e propositado em direção à integração. Volto e refaço a postura, sinto, e deixo ir um pouco mais.

Como de costume, o alinhamento resulta de uma combinação de esforço e rendição, fazendo e sendo, acção e reflexão.

E, já que me perguntam isso com frequência suficiente, vou acrescentar que raramente esses dois aspectos de se mover em alinhamento se unem para mim. Em vez disso, eles acontecem em sucessão, primeiro um e depois o outro, para frente e para trás. repetidamente.

A experiência da unidade completa? Acontece por vezes. Mas é sempre espectacular como a consciência canta no nosso corpo.

Os verdadeiros presentes, porém, vêm depois. Quando o trabalho da prática se instala e eu vou para o resto do meu dia é quando o valor do alinhamento parece mais tangível, claro e duradouro.

Isto não é uma simulação

13 de Agosto, 2020

Muitos de nós podem ser perdoados por terem pensado que essa coisa da vida era muito fácil. As últimas décadas foram boas para nós. Economias em expansão. Variadas e impactantes tecnologias.

Estávamos a viver, como um académico disse após a queda do comunismo, o fim da história. Todos aqueles momentos trágicos e sombrios do passado… pertenciam ao passado.

Não há nada como uma pandemia global – estranhamente semelhante às pragas do mundo antigo – para nos rebentar com essa noção. E como não quando ouvimos que Nova York, a jóia da coroa deste mundo moderno e aconchegante em que vivemos como crianças mimadas, teve que montar necrotérios temporários para lidar com as pilhas crescentes de cadáveres. Nada como ouvir que milhões de pessoas estão no desemprego ou em empregos cada vez mais precários para nos acordar para a realidade: esta pandemia não é uma simulação.

Não. Isto é a vida real. É para isso que temos treinado e deveriamos ter treinado. “Nenhum papel é tão adequado à filosofia como aquele em que você está agora”, disse Marco Aurélio… quando o império de Roma parou e a praga assolou sobre a cidade. “A vida é uma guerra e uma jornada longe de casa”, disse ele, enquanto lutava, por anos a fio, contra invasores nas fronteiras do seu império.

Estamos a viver a história, assim como Marcus e todos os estoicos estavam. Isto não é uma simulação. É hora de trabalhar. É hora de incorporar a filosofia e o yoga de que falamos. É hora de reunir essas virtudes críticas de Coragem, Temperança, Justiça e Sabedoria. O nosso modus operandi tem de mudar. Não podemos simplesmente adaptar e fazer tudo como antes, apenas de forma diferente. Temos realmente de mudar a nossa bússula. E Querer mais: não mais do mesmo, mas mais da Liberdade do Ser e não da do Ter.

Isso não será fácil, mas é o que está na nossa frente.

Estás com medo? Tudo bem.  Mas isso é em parte porque estás bem no olho do furacão —estás a olhar para tudo isto demasiado perto, com as contas para pagar, com os filhos a precisar, com os empregos a deixarem de o ser. Se pudermos diminuir o zoom, só um pouco, teremos alguma perspectiva. Somos lembrados de que isto também passará, que sobreviveremos.

Hemingway abre O Sol Também se levanta – ambientado após uma guerra terrível, que foi seguida por uma terrível pandemia, com todos os tipos de tragédias individuais comuns pelo meio – com um dos versos mais bonitos da Bíblia, um que soa como se pudesse ter sido escrito por Marco Aurélio:

“Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece. Nasce o sol, e o sol se põe, e apressa-se e volta ao seu lugar de onde nasceu…”

Todos os dias desde que esta crise começou, o sol nasceu e pôs-se. A lua saiu e brilhou. A relva cresceu. Bebés nasceram. Pessoas tiveram ideias. Pessoas apaixonaram-se. Isso é tão verdadeiro agora como foi durante a Peste que Marco Aurélio suportou por 15 anos, foi verdade depois, e será verdade sempre.

Temos que encontrar uma maneira de ter algum consolo nisso, para continuarmos em nós mesmos. Vamos superar isto, como sempre passamos por tempos difíceis. Haverá um novo normal. Vamos adaptar e ajustar.

A vida permanecerá para sempre, então não há razão para ficar com raiva ou com medo ou com amarguras. Apenas aguenta aí. Faz o melhor que puderes nos lugares certos com as pessoas certas. Não sejas como foste antes da pandemia, sê melhor.

P. S.:

Não tens de passar por tudo sozinho. A jornada de yoga de um praticante pode ser muito solitária, porvezes; sim temos que nos esforçar no auto-estudo (svadhyaya), mas em nenhum lugar diz que temos que fazer isso isoladamente. E acho que já temos confinamentos que cheguem nas nossas vidas por estes dias.

Um shala é um lugar de saúde física, mental e espiritual. E saber isso, ter isso como missão manteve-me firme nos meses em que tivemos de encerrar. Porque eu teria de prestar contas no momento em que decidisse reabrir. Prestar contas a quem? A quem viesse praticar no shala. Internamente, eu tinha uma responsabilidade para com os praticantes e não ia desapontá-los. A única forma de o fazer era manter-me à tona – praticando. Isso manteve-me responsável, e ainda mais empenhada na prática e nos compromissos que assumi quando o abri. Yoga é estar presente. Inteiramente. Sem adaptações, sem simulações. Yoga é presença integral.

 

(ENGLISH)

Many of us can be forgiven for having thought that this life thing was pretty easy. The last few decades have been pretty good to us. Booming economies. Great technology. Our wars have had limited impact on our populace and our recessions have been short.

We were living, as one academic said after the fall of communism, after the end of history. All those tragic, bleak moments of the past…were past us.

There’s nothing like a global pandemic—one eerily similar to the plagues of the ancient world—to disabuse us of that notion. Nothing brings that home quite like hearing that New York City, the crown jewel of this cushy, modern world, had to set up temporary morgues to handle the growing piles of bodies. Nothing like hearing that millions of people are out of work to make it clear that this is not a drill.

No. This is real life. This is what we have been—and should have been—training for. “No role is so well-suited to philosophy as the one you happen to be in right now,” Marcus Aurelius said…as Rome’s empire ground to a halt and the plague descended upon the city. “Life is warfare and a journey far from home,” he said, as he battled invaders at the frontier for years on end.

We are living through history, just as Marcus was and all the Stoics were. This is not a drill. It’s time to put on our big girl pants and get serious. Get to work. It’s time to embody the philosophy we have talked about. It’s time to muster those critical virtues of Courage, Temperance, Justice, and Wisdom.

This won’t be easy, but it’s what’s in front of us.

NOTE:

You don’t have to go through it all by yourself. A practitioner’s yoga journey can be very lonely at times; yes we have to strive in self-study (svadhyaya), but nowhere says we have to do this in isolation. And I think we’ve got enough lockdowns in our lives these days.

A shala is a place of physical, mental and spiritual health. And knowing that, having that as a mission kept me going in the months we had to shut down. Because I’d have to be held accountable the moment I decided to reopen. Accountable to whom? To those who came to practice in the shala. Internally, I had a responsibility to the practitioners and was not going to disappoint them. The only way to do that was to stay afloat by practicing. This kept me responsible, and even more committed to the practice and commitments I made when I opened it. Yoga is being there. Entirely. No adaptations, no simulations. Yoga is integral presence.