Pode surpreendê-lo saber que, durante muito tempo, lutei para encontrar uma maneira autêntica de praticar a gratidão. Por “autêntico”, refiro-me a uma forma de gratidão enraizada na realidade, que não ignora nem nega as dificuldades da vida nem tenta minimizar a dor que podemos estar a sentir.

Para ser honesta, considerando tudo o que acontece no mundo, questionei se isso seria possível. No entanto,  estava determinada a encontrar uma abordagem genuína para cultivar a gratidão devido aos seus benefícios bem documentados para o nosso bem-estar físico, mental, emocional e espiritual. Mas a abordagem pão de forma: “escreve um diário”, “visualiza isto e aquilo” e outras fórmulas de gurus de instagram não me serviam.

Uma razão pela qual a gratidão pode ser desafiadora de experimentar é que os seres humanos estão naturalmente predispostos para se concentrarem no que está errado. A evolução conectou os nossos sistemas nervosos para estarem em alerta para potenciais ameaças e perigos como um mecanismo de proteção.

Para neutralizar esse viés de negatividade – a nossa tendência de nos concentrarmos em eventos negativos mais fortemente do que em eventos positivos – temos que fazer um esforço consciente para nos concentrarmos no positivo. Por exemplo, é fácil ignorar o que está dando certo. Já agradeceu hoje por não estar com uma dor de dentes?

No contexto da filosofia do yoga, a gratidão pode ser vista como uma forma de pratipaksha bhavana. Esta é a prática prescrita na tradição do Yoga Clássico de responder a pensamentos negativos cultivando o seu contrário positivo.

A mudança veio para mim ao ver a gratidão autêntica como uma prática activa, uma resposta e uma atitude mental que podemos, e precisamos, cultivar para realmente a experimentar. E  é possível fazer isso independentemente do que está a acontecer nas nossas vidas.

Não significa sentir-se feliz quando coisas menos boas acontecem ou descartar emoções negativas. Em vez disso, envolve fazer um esforço deliberado para apreciar conscientemente por nos sentirmos genuinamente gratos em qualquer momento.

À medida que pratiquei a aplicação disso, descobri que há sempre algo a agradecer. Pode ser algo tão simples como a minha respiração, as plantas no meu quintal, as meias quentes que estou a usar, a música que estou a ouvir ou o almoço. Há sempre algo e, por mais trivial que pareça, é sempre encorajador e edificante.

Quando abordamos a gratidão como uma prática, vemos que não precisamos de esperar que coisas boas aconteçam para nos sentirmos gratos. A gratidão torna-se uma perspectiva que trazemos para a vida.

A gratidão alimenta a conexão com a vida e, como tal, pode ser uma força edificante que nos fortalece para enfrentar os desafios da vida com maior resiliência.

Com o tempo, pode descobrir, como eu, que a prática do apreço consciente pelo que somos é uma postura empoderadora que promove contentamento e bem-estar genuínos.

Não desviar o olhar

30 de Julho, 2023

 

Não olhe para o lado.  Por que é fundamental manter o dristi na nossa prática?
O que é Dristi?

No ashtanga yoga, dristi significa ponto de observação. Juntamente com a respiração e a postura, é um dos três elementos-chave que distingue o ashtanga yoga de outras formas de yoga.

Dristi  significa descansar os olhos suavemente, num ponto de visão enquanto está na postura. Talvez, ao ler isto, lhe tenha surgido na mente uma imagem do seu corpo a torcer-se numa posturae logo a deixar cair o olhar.

Dristi não é algo complexo nem difícil. Não é um olhar penetrante ou que lhe dê dor de cabeça ou uma sensação decsonfortável. Dristi é o SEGREDO MAIS BEM GUARDADO para ajudar a mantê-lo(a) focado(a) na sua prática de yoga.

Todos nós sabemos o que é estar numa postura e a mente a vaguear, “O que vou almoçar ou jantar “, “Tenho d e responder aquele email”, “não sei se quero ir ao casamento da fulana”.

Um ponto de foco ocular ajuda a filtrar os seus pensamentos e mantém a sua mente focada num ponto específico, para que você esteja presente na prática.

Por que é importante?

É um treino físico para ficar mais focado.

Por que isso é importante?

É como conduzir em piloto automático – “Oh, cheguei a casa?, não faço ideia por onde passei no percurso. Já nos aconteceu a todos, mas não soa um pouco assustador?

Não é melhor sentir-se como se estivesse PRESENTE no banco do motorista de sua própria vida?

Veja como encontrar o seu ponto de dristi  novamente

✨ Olhar com o seu dristi é ter um olhar suave e de amor no local nomeado. Porque quando os seus olhos relaxam para descansar num lugar específico, (no ombro, até os polegares, no dedo grande do pé), na verdade, está a olhar principalmente para si mesmo, e lembr-se que está a praticar yoga para trazer a sua atenção de volta para si e ter tempo para si.

O dristi aquieta a sua mente agitada que cria uma história a partir de tudo o que vê. Vivemos constantemente no filme que a mente mostra, então aproveitemos aquele tempo tranquilo da prática para desligar desse filme.

✨ Ao olhar para alguns pontos específicos à medida que se move através das posturas, continua a devolver a sua mente e foco para a prática. Isto leva-o(a) muitas vezes a lembrar-se de voltar a respirar. Todos nós poderíamos usar alguns lembretes de respirar de forma mais consciente.

✨ Por fim, um ponto de observação focado ajuda a manter a mente atenta aos detalhes e sensações que  quer ter presente na prática. Se se afastar,  perde o contacto com como se está a sentir.

Se tira um tempo para fazer uma prática de yoga, quer manter os sentimentos e conexões que está a formar física e mentalmente tal como se passa com as posturas. Estes sentimentos são o que motivam a praticar no dia seguinte, ou da próxima vez.

 

Fragmentos de plenitude

4 de Junho, 2023

 

Foi um momento casual, ver aquelas flores perfeitamente formadas, perfumadas e pequenas depois de um maravilhoso fim de semana passado na companhia de estudantes brilhantes, genuínos e de coração aberto. Assim como aqueles ranúnculos na sua plenitude, o meu espírito transbordava de um profundo senso de realização.

Purna é uma palavra sânscrita que significa completo, pleno e perfeito. É um atributo atribuído à Consciência que também expressa a totalidade inata que promovemos no yoga.

Podemos experimentar purna como uma sensação profundamente enraizada de bem-estar, um contentamento interno que surge independentemente das circunstâncias externas, ou um reconhecimento de que somos fundamentalmente inteiros e merecedores de amor e aceitação, assim tal como somos.

Num mundo imperfeito, disponibilizarmo-nos para captar momentos fugazes de plenitude pode elevar e elevar a nossa experiência momentânea, por vezes de formas inesperadamente poderosas. Podemos surpreender-nos com as tantas ocasiões em que testemunhamos isso!

Pode ser tão simples como parar por alguns segundos para mergulhar na beleza pura de uma planta totalmente florida, levantar o olhar para apreciar a vasta extensão do céu, saborear a quietude que se segue a uma prática de yoga ou um período de meditação, ou apreciar uma conversa gratificante com um amigo querido.

Os ranúnculos entretanto murcharam. Não há surpresa. Mas o seu breve florescimento e morte rápida apenas sublinham a importância de aproveitar os momentos de perfeição e alegria sempre que surgem, por mais pequenos ou despretensiosos que sejam.

O que é o ashtanga yoga?

2 de Maio, 2023

 

Ashtanga yoga é um estilo de yoga que foi desenvolvido por K. Pattabhi Jois no século XX. É uma prática fisicamente exigente e estruturada que envolve uma série fixa de posturas (asanas) combinadas com técnicas de respiração (pranayama) e foco visual (dristi). Ashtanga yoga é conhecido por ser um estilo de yoga bastante desafiador e vigoroso, com ênfase no desenvolvimento de força, flexibilidade e resistência física. A prática é dividida em seis séries, cada uma das quais deve ser dominada antes de passar para a próxima.

Quando se inicia a prática de Ashtanga Yoga, normalmente começamos pela parte física, pelos asanas (posturas). Logo no início já é possível sentir os seus benefícios, mas muitas vezes não entendemos o por quê nem como funciona toda essa transformação física e mental.

Por isso, é importante compreender o funcionamento do Tristana, a base da metodologia do Ashtanga Yoga. Podemos explicá-la como uma ferramenta que guiará toda a sua prática.

O Tristana é formado por três partes: a respiração, os asanas e o drsti (foco do olhar). Esses pilares transformam uma simples prática física em uma experiência que conecta mente e corpo, permitindo a prática se tornar meditativa e repleta de benefícios à saúde física e mental.

Respiração

No Ashtanga tudo começa com a respiração. Todo o movimento é conectado com a inspiração e a exalação. A contagem do tempo é feito através dela assim como toda movimentação do corpo durante a prática.

Utilizamos um método de respiração livre, que é nasal, então inspiramos e exalamos sempre pelo nariz, nunca pela boca, em que o ar passa pela garganta emitindo um som sussurrante. Tentamos fazê-la de forma consciente e ritmada (mesmo tempo de inspiração e expiração), para alcançarmos uma calma e equilíbrio. Conseguimos, dessa forma, manter a mente e o corpo estáveis para a execução das posturas.
Com o tempo, é possível alcançar respirações mais longas e profundas, que ajudam a ativar o nosso fogo digestivo, que é responsável por liberar toxinas do nosso corpo.

Posturas

A segunda parte do Tristana são as posturas, os asanas. No Ashtanga, nós seguimos uma metodologia tradicional que conta com diversos grupos de posturas. Então, cada aluno iniciará sua prática com um grupo de posturas passado pelo professor. No decorrer da prática, você vai entendendo àquelas posturas, o corpo vai se adaptando, fortalecendo e se começa a entender, também, a respiração dentro de cada movimento. Depois, quando você estiver preparado, receberá a nova postura e assim, vai evoluindo na sua prática.

Considerações muito importantes: o Ashtanga Yoga é um método bastante individualizado, que permite cada praticante fazer sua prática dentro do seu tempo e suas limitações. O que pode ser muito fácil para uma pessoa pode ser muito difícil para outra. Dessa forma, cada um vai trabalhando nos seus desafios. Outro ponto a ser ressaltado é a importância do professor, que irá te guiar nesse caminho. Não há outra alternativa senão com a orientação de professores sérios e capacitados a lhe passar os ensinamentos do método (parampara).

Drsti

A terceira parte é o Drsti – o foco do olhar enquanto estamos praticando. Esta etapa nos ajuda a manter a mente estável e focada, evitando distrações externas e atrapalhando o fluxo da prática, além de manter a energia circulando no corpo, já que para onde olhamos é para onde levamos nossa energia.

Os Drstis são nove: umbigo (nabhi drsti), nariz (nasagra drsti), para cima (rdhva drsti), terceiro olho (brumadhya drsti), canto do olho esquerdo e canto do olho direito (parsva drsti), dedão (angusta drsti), dedo médio (hastagra drsti) e dedão do pé (padagra drsti).

Há ainda dois elementos que estão relacionados ao Tristana: O Vinyasa, que está conectado à respiração e os Bandhas, conectados às posturas.

Vinyasa

O Vinyasa é a sincronização do movimento com a respiração, que tem como propósito a limpeza e purificação interna. Através desta combinação, o corpo vai aquecendo, criando um calor interno que vai varrendo as toxinas mais superficiais para a pele, que vão sendo eliminadas através do suor.
Em um estágio mais avançado, aquele sangue denso, com excesso de toxinas, começa também a se mover para as extremidades. O sangue vai afinando e circulando livremente de forma mais saudável e puro pelo nosso corpo. Por isso, muitas vezes a qualidade e o cheiro do nosso suor vão mudando ao longo dos anos de prática. Ou seja, a prática correta do vinyasa tem a capacidade de limpar e purificar desde a superfície até a parte mais profunda do nosso corpo.

Bandhas

Os bandhas são como fechos ou contrações de determinadas áreas do nosso corpo que evitam a dispersão da energia vital, conduzindo a respiração e mantendo o corpo aquecido, além de manterem uma estabilidade, protegendo a coluna durante a prática de asanas

São ações bastante complexas, mas que com o tempo de prática, quando feita de forma regular e apropriada, é possível incorporá-las.
No Ashtanga, trabalhamos principalmente com três bandhas: mula bandha, uddiyana bandha e jalandhara bandha.

Mula Bandha: está associado ao chakra raiz e ao momento da expiração. É uma contração interna ativada no assoalho pélvico que mantém os órgãos do baixo ventre suspensos. Traz força e estabilidade para o corpo e seus movimentos.

Uddiyana Bandha: está associado à inspiração e a musculatura da parede abdominal inferior. É uma ação que expande a caixa toráxica e eleva o prana para cima. Traz leveza para o corpo e seus movimentos.

Jalandhara Bandha: É uma “trava” na garganta e é realizado somente em práticas mais avançadas quando já se está apto a praticar os pranayamas. É ensinado de forma individual para cada aluno, conforme a tradição do método.

É importante ressaltar que todas essas etapas devem ser praticadas simultaneamente durante toda sua prática.

Sempre siga as orientações do seu professor.

Pratique, pratique e tudo virá!

O lado bom da incerteza

15 de Abril, 2023

 

Navegamos pelas mudanças da vida e lutamos para encontrar um caminho claro nos dias de hoje. É este o seu caso? Saiba que está em boa companhia. Tantas pessoas que conheço têm-se sentido à deriva agora, quando são confrontadas com a incerteza que todos nós enfrentamos em escala individual, colectiva e planetária.

As tradições orientais lembram-nos que a única certeza na vida é a impermanência. Embora possamos compreender isso a um nível cognitivo, internalizá-lo e aceitá-lo a um nível mais profundo é um desafio totalmente diferente.

Para esse fim, aqui estão 3 maneiras como o yoga nos pode ajudar a navegar na impermanência da vida:

  1. A incerteza lembra-nos o poder do momento presente. Quando as coisas se sentem instáveis, podemos lembrar que a única coisa de que podemos realmente depender é do momento presente.

No yoga, podemos conectar-nos com o momento presente através da nossa respiração, a sensação de criar espaço nos nossos corpos, a activação dos músculos ou outras respostas sensoriais que experimentamos enquanto praticamos ásana ou meditamos. Quando estamos presentes ao que está a acontecer nos nossos corpos e mentes durante a prática, podemos experimentar uma mudança e perceber que cada momento traz algo novo.

2. A incerteza pode ajudar-nos a lembrar que fazemos parte de uma história maior.

O Yoga ensina que no chão do nosso ser cada um de nós é parte integrante de um todo universal. Quando nos sentimos perdidos ou sem direção, pode ser mais fácil abrir mão do controlo e rendermo-nos ao fluxo maior das nossas vidas.

Podemos lembrar-nos do poder imparável da vida e do nosso lugar nela, inclinando-nos para a beleza do mundo natural e conectando-nos com os ritmos da terra.

Seja sentindo o vento na nossa pele, observando a luz a mudar no pôr do sol ou a ouvir os sons de um rio a fluir, experimentar o mundo natural com a consciência da nossa interconexão fundamental pode expandir a nossa perspectiva e lembrar que fazemos parte de algo muito maior.

3. A incerteza pode ser uma oportunidade para redescobrir e fortalecer as nossas intenções. Sankalpa é a palavra sânscrita para intenção. Refere-se à aglutinação dos nossos pensamentos e energias numa direção específica.

Quando as coisas parecem incertas, não podemos mais confiar em resultados ou afirmações externas. Isso pode ser desorientador, mas também dá espaço para redescobrir e reassumir o compromisso com as nossas crenças e valores fundamentais. Voltar a comprometer-nos com as nossas intenções mais profundas ou maneiras pelas quais desejamos direccionar os nossos esforços pode ajudar a encontrar um senso de propósito e rumo, mesmo em tempos incertos.

Ao reconhecer que nossas intenções não dependem de resultados externos, podemos encontrar a coragem de seguir em frente mesmo quando as coisas são incertas.

Sim, a vida é impermanente, mas a nossa prática pode ajudar-nos a manter os pés no chão e a encontrar sentido no meio da incerteza, e talvez até a descobrir dons ocultos de discernimento em tempos de mudança.

 

Conhece a história do Cego e do Elefante? É uma história tradicional indiana sobre um grupo de cegos que nunca encontraram um elefante antes. Eles aprendem como é o elefante tocando-o.

Um coloca a mão do lado do elefante e diz: “Agora eu sei tudo sobre um elefante, ele é como uma parede”.

O segundo sente a presa do elefante e responde: “Não, estás enganado. Ele não é de todo como um muro. Ele é mais como uma lança.”

O terceiro agarra-se à tromba do elefante e argumenta: “Vocês dois estão errados, um elefante é como uma cobra”.

O quarto agarra a orelha do elefante e diz: “Estás errado, ele é como um grande fã”.

O quinto agarra a cauda do elefante e conclui: “Ele não é nenhuma dessas coisas, ele é como uma corda”.

Esta história é geralmente contada para ilustrar a tendência de fazer falsas suposições com base na nossa perspectiva limitada, mas acho que também pode aplicar-se à forma como pensamos sobre o verdadeiro espírito do yoga. Como o elefante, o verdadeiro espírito do yoga pode ser descrito de muitas maneiras, dependendo do seu ponto de vista.

Yoga é uma tradição tremendamente rica e profunda de práticas, entendimentos e perspectivas. No entanto, o objectivo comum de todas as expressões maravilhosamente diversas do yoga é o mesmo – reconhecer um núcleo de consciência imutável dentro de nós que transcende a natureza limitada do corpo-mente, e permitir que essa experiência mude a maneira como nos vemos e vivemos as nossas vidas.

Dado este objectivo incrível (e elevado), o que torna as práticas físicas que fazemos no yoga em mais do que  apenas um conjunto de exercícios?

Segundo a minha experiência, são duas coisas: desenvolve a capacidade de autorreflexão e de incorporar a filosofia do yoga nas práticas no tapete, bem como na vida diária. É quando o yoga se expande para uma jornada de evolução interior e crescimento pessoal.

Por outras palavras, yoga não é apenas o que  fazemos, é como reflectimos sobre o que fazemos e como  contextualizamos a nossa experiência dentro dos princípios e ensinamentos da filosofia do yoga que permite nutrir o verdadeiro espírito do yoga.

É ver o yoga não apenas como algo que se faz uma ou duas horas por semana, mas como uma oportunidade de estar em relacionamento consigo mesmo – com o seu corpo,  a sua respiração e até mesmo a sua mente – um relacionamento que você pode levar para a sua vida quotidiana.

Muitos de nós podem começar a praticar yoga por um motivo mais simples, como os benefícios para a saúde física ou mental. Mas depois de um tempo, descobrimos que essa prática pode ser muito mais do que poderíamos ter pensado inicialmente.

Por exemplo, se começa a praticar yoga para gerir o stress, provavelmente será apresentado a uma variedade de posturas físicas, exercícios de respiração e técnicas baseadas na consciência. Ao praticá-los e reflectir sobre os seus efeitos, será capaz de avaliar o que está a funcionar  para si e fazer mais disso e, no processo,  também desenvolverá maior autoconhecimento.

Além disso, ao aprender sobre como a tradição do yoga vê o ser humano, descobrirá os princípios subjacentes às práticas que faz. Obterá informações sobre por que as práticas são tão eficazes na gestão do stress. Desta forma, irá enriquecer a sua compreensão e ser capaz de amplificar os benefícios do yoga na sua vida.

À medida que reflectimos sobre a prática e aprendemos sobre os princípios da filosofia do yoga, começamos a reconhecer como e por que o yoga nos muda para melhor. Também podemos começar a expandir as nossas ideias do que o yoga pode ser e as muitas maneiras como ela pode  servir-nos e apoiar-nos nas nossas vidas.

Por exemplo, tenho um aluno que inicialmente veio para a ioga para controlar as dores nas costas e  tornou-se um praticante comprometido, uma vez por semana. Reflectindo sobre a sua prática de yoga, ele recentemente partilhou comigo o seguinte:

“O que me foi comunicado é que o meu corpo não é apenas uma ferramenta para eu actuar no mundo, mas o precioso repositório de uma dimensão da VIDA. O yoga traz-me de volta ao meu eu central único e abre-me para o que é maior do que eu”.

Como essa pessoa descobriu, com a perspectiva certa podemos explorar vastas e emocionantes possibilidades de como a nossa prática pode servir as nossas vidas.

Meditação: a prática de lembrar

26 de Fevereiro, 2023

 

 

Deixo o convite para esta prática e para redescobrir-se através da arte da memória. Reserve um momento para contemplar uma qualidade dentro de si mesmo que gostaria de experimentar – uma parte de si que se tenha esquecido. Pense numa memória que capte a essência desta qualidade.

Para começar, sente-se confortavelmente. Contemple um ponto parado e relaxe os olhos. Pode fechá-los se quiser. Traga a atenção para a sua respiração. Observe a sua respiração corporal e use a sua expiração para liberar qualquer tensão que  possa notar no seu rosto, ombros ou abdómen. Quando apanhar a sua mente a vaguear, simplesmente traga-a de volta à sua respiração.

Agora coloque a sua memória em foco. Veja-se nesse momento. Pinte uma imagem vívida na sua mente. O que é que está a ver? O que ouve? O que cheira? Reserve alguns minutos para reviver a experiência no seu corpo.

Imagine respirar a memória nos seus pulmões – o cheiro, as cores, os sons. Deixe-a enchê-los.

Qual é a sensação de ser você mesmo naquele momento? Que aspeto de si mesmo despertou? Observe a sua respiração e observe quaisquer mudanças na sua energia.

Fique com esse sentimento o tempo que quiser.

Quando estiver pronto, aprofunde lentamente a respiração. Solte o queixo em direção ao peito. Se os olhos estiverem fechados, abra-os suavemente e acolha a sala. Tome o seu tempo voltando ao espaço.

Pode reflectir sobre a sua experiência em meditação — detalhes sobre sua memória que se revelaram; como foi revisitar o local e o horário escolhidos; ou como a sua memória o conectou de volta a si mesmo.

A memória é uma ferramenta que pode ajudar-nos a ver-nos mais claramente através das lentes das nossas experiências passadas. Incorporar a memória na minha prática de meditação alicerçou-me em mim mesma e  lembrou-me que estou sempre a tempo de me tornar mais quem eu realmente sou. Este processo de redescoberta inspirou uma compreensão muito mais profunda de mim mesma.

Abhyasa e boas intenções

8 de Janeiro, 2023

Passou a 1ª semana do ano e foi bom ver as boas intenções de tantos que querem tirar um tempo para cuidar de si e, por algum motivo, experimentam o yoga. Deixo aqui algumas sugestões para quem quer ir além das boas intenções na sua prática.

1. A mais importante de todas: não importa o que aconteça na sua vida, vá ao tapete. Sente no seu tapete, nem que seja por 2 minutos. Em casa, num estúdio, na cozinha, na casa de banho (se for o único sítio em que consegue ter sossego durmate 2 minutos). Seja a que hora for: pratique. Não precisa de gastar 100€ para comprar umas leggings (o que é absurdo) nem de tapetes xpto. Precisar de estar consigo mesma.

2. Esqueça isso das aulas experimentais. Pesquise (fora do instagram), escolha um professor com que se identifique e pratique com ele diligentemente, na periodicidade que se adequar à sua agenda. Numa aula experimental não vao saber nada nem da escola nem do professor. Pratique com alguém pelo menos 2 meses seguidos e depois decide. Saltar de escola em escola ou praticar com vários professores não é honesto nem útil para ninguém, sobretudo para si.

3. Perceba realmente o que quer com a sua prática de yoga. E priorize esse objectivo.
A minha intenção para a minha prática este ano é só essa: continuar a praticar para honrar os meus alunos e os professores que escolhi como os meus exemplos.  Para criar espaço de manhã, mesmo que seja apenas alguns minutos, para mover o meu corpo e alinhar-me com forças maiores do que eu.

Esta intenção simples reflecte a importância do esforço cru de aparecer regularmente na prática.

Fazer depósitos diários, por vezes pequenos, na conta bancária do seu bem-estar soma-se ao longo do tempo para que se sinta bem e, com intenção, capaz de fazer tudo o que precisa, quer e ama no resto da sua vida.

É um grande exemplo de abhyasa, o princípio fundamental do yoga que enfatiza a prática continuada feita ao longo de um longo período de tempo com dedicação. É a forma mais fundamental como o yoga funciona e o pré-requisito para todas as outras formas que desejamos para a nossa prática nos servir.

“Que conselho darias a um aluno que quer aprofundar a sua prática de yoga?

“Continua a aparecer. Porque se o fizeres, eventualmente algo vai acontecer.”

Esse algo pode não ser um momento elevado ou grandioso de «eureka». Pode ser uma mudança aparentemente pequena no que sentes no teu corpo ou mente. Pode ser a paciência, perseverança ou humildade que desenvolves ao simplesmente chegar ao tapete, mesmo quando não parece fácil ou conveniente.

Nestas formas mais subtis, abhyasa no yoga prepara-nos para enfrentar desafios noutras áreas da nossa vida com a mesma determinação e força que cultivamos à medida que continuamos a aparecer para a nossa prática.

A capacidade de continuar, e especialmente voltar à nossa prática quando nos desligamos dela, é uma das marcas de um praticante experiente e uma das habilidades mais importantes que desenvolvemos no yoga. É um tipo de maturidade que não tem nada a ver com a idade e tudo a ver com compromisso e intenção.

Como é fortalecedor saber que não precisamos de nos sentir inspirados ou mesmo animados com a nossa prática para que funcione. Simplesmente aparecer é o suficiente, na verdade, é primordial.

Asana, corpo e conexão

1 de Janeiro, 2023

“That which is hard in your body is of the nature of the Earth, and it supports the other organs. Hair, skin, nerve, flesh and bones are the miniature forms of the different aspects of Earth. Sound, touch, form, taste, and smell are the qualities of Earth.”  — M.R. Jambunathan, The Yoga Body (1941)

Conectar-se com o corpo é conectar-se com a Terra, pois o nosso corpo é apenas uma extensão deste planeta. Assim, enquanto caminhamos numa floresta ou praticamos asanas no nosso tapete possam parecer muito diferentes, ambos honram o mesmo espírito universal. Ambas trazem-nos de volta ao contacto com o que é a nossa natureza essencial.

É como John O’Donohue escreveu uma vez: “Os nossos corpos sabem que pertencem; são as nossas mentes que tornam as nossas vidas tão sem-abrigo. Não deixe que a sua mente o leve para longe de casa. Só há uma terra e só tens um corpo. Portanto, agora não é o momento para abandonar a sua prática de āsana, mas pode ser o momento perfeito para reavaliar a sua abordagem.

Porque estas posturas são mais do que simplesmente anatomia, abrangendo mais do que apenas músculos e ossos. Āsana é um canal para a natureza, uma expressão da força criativa que reside dentro de nós e em todo o lado. E a nossa prática, uma manifestação física de uma fonte universal.

“A Terra é a nossa origem e destino. Os ritmos antigos da Terra instigaram-se nos ritmos do coração humano. A terra não está fora de nós; é dentro: a argila de onde a árvore do corpo cresce.”

 

Não é fascinante considerar a natureza paradoxal do asana (postura de yoga) como uma prática de bem-estar espiritual? Através do corpo, no corpo, e usando o corpo, procuramos algo além do corpo.

Recebi recentemente um e-mail de um novo aluno que escreveu:

“Estou ansioso por aulas que me possam lembrar do que se trata isso de praticar yoga…”

Já te envolveste tanto na prática de yoga que perdeste de vista o porquê? Claro que sim. Este ano reflecti muito e, na minha prática pessoal, houve muitos dias em que achei que não era importante estar 2 h a praticar asana e abdicar de 1 dessas 2 horas para estar com um amigo, trabalhar noutras coisas em serviço de outros, estar com os que me são próximos, estar na natureza. Não conheço nenhum sábio que dedicasse 2h do seu dia à prática de asana. E é sabedoria que quero; não dizer que consigo fazer uma postura X ou Y. É preciso ter claro o porquê de se fazer o que quer que seja.

A emoção de fazer algo com o corpo que outras pessoas acham impressionante é sempre de curta duração. Mais: muitas vezes prende-nos na mentalidade habitual durante esse tempo de esforço, de autocrítica, de nunca se sentir bem o suficiente quando se trata de yoga.

É esse o problema com o desempenho em Asana. Embora conseguir posturas complexas possa ser um “sucesso” positivo, gratificante e de confiança, é sempre temporário. O corpo – e, portanto, a nossa capacidade – está sempre a mudar. Além disso, sempre que prendemos a nossa felicidade a algo externo para nós, mesmo que seja um asana, o nosso contentamento fica condicionado a essa circunstância ou experiência.

Comecei a praticar yoga a sério porque queria experimentar um tipo de felicidade que não dependia de nada fora de mim. Como a minha prática tem evoluído ao longo dos anos de ser motivada por postura até ao que é hoje, motivada pelo bem-estar incondicional é o que sempre foi para mim.

Já não pratico asana para conseguir uma postura ou apenas por uma questão de aptidão física. A minha prática postural agora é principalmente sobre cultivar uma sensação encarnada de bem-estar que vai muito além do corpo. Trata-se de restaurar e nutrir a minha ligação com aquele lugar de felicidade independente que vive dentro do corpo e ainda transcende o corpo.